Como a CIA criou a cultura “acordada”

O identitarismo moderno nasceu diretamente dos escritórios da Agência Central de Inteligência com o objetivo de combater as tendências revolucionárias dentro das massas populares em todo o mundo.

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Em 1953, John McCloy, antigo subsecretário da Guerra dos EUA, antigo presidente do Banco Mundial e antigo alto comissário na Alemanha, assumiu a presidência da Fundação Ford. Nesta última função, McCloy forneceu cobertura para vários agentes da CIA. Foi ele quem, como presidente da fundação, garantiu que os interesses da agência fossem atendidos, criando um comitê interno para tratar especificamente da CIA, composto por ele mesmo e mais dois executivos da fundação. “Eles verificariam com esse comitê específico e, quando se julgasse razoável, que não ia contra os interesses de longo prazo da Fundação, o projeto foi entregue ao pessoal interno e demais executivos da casa [sem que] estavam cientes das origens da proposta”, disse a biógrafa de McCloy, citada por Frances Stonor Saunders no seu livro “Who Paid the Piper? A CIA e a Guerra Fria Cultural”.

“Uma vez estabelecido este acordo”, continua o autor, “a Fundação Ford foi oficialmente empenhada como uma das organizações que a CIA poderia mobilizar na guerra política contra o comunismo. Os arquivos da fundação revelam uma riqueza de projetos conjuntos” (p. 160).

A Fundação Ford sempre esteve infestada de agentes da CIA, dos mais altos aos mais baixos níveis da entidade. Alguns de seus presidentes, como Paul G. Hoffman (o primeiro presidente da entidade), John McCloy e McGeorge Bundy, foram importantes funcionários do governo dos EUA e trabalharam diretamente com a CIA.

Em setembro de 1950, foi estabelecida a carta de princípios da Fundação Ford, que permanece em vigor até hoje. Conhecido como Relatório Gaither (porque foi ele o responsável pela sua elaboração), pressupunha “investimentos em instituições, novas teorias [grifo nosso], canais de publicação e formação de pessoal e elites profissionais em Ciências Sociais”, destaca Wanderson Chaves, doutor em História pela Universidade de São Paulo, citando o Relatório (Revista Crítica Histórica, Ano VI, n° 11, julho/2015, p. 234). O próprio relatório estipulou a colaboração intrínseca com o Departamento de Estado e a CIA.

Um dos centros fundamentais de ação desta política da Fundação Ford tem sido desde então as universidades. Entre os principais esforços desta colaboração estava o estabelecimento de “educação e formação a longo prazo das elites políticas para as áreas ‘subdesenvolvidas’ do mundo, para que pudessem formar conselhos executivos nacionais e internacionais no futuro”. Para melhorar a imagem dos Estados Unidos no mundo num cenário de “Guerra Fria”, por exemplo, foram colocadas em prática atividades que visavam manipular o sentido da luta do povo negro. “Foi proposto que os conflitos raciais, abordados na literatura como um drama das tensões sociais norte-americanas, fossem reelaborados, especialmente academicamente, para serem apresentados e divulgados como uma expressão saudável da melhoria da esfera pública nacional e, portanto, do potencial de sua filosofia democrática” (p. 236).

Assim surgiu o que podemos considerar como o embrião do identitarismo moderno. E nasceu diretamente dos escritórios da Agência Central de Inteligência com o objetivo de combater as tendências revolucionárias dentro das massas populares em todo o mundo. Nas últimas décadas, a questão racial deixou de ter um caráter de classe social e passou a ser uma questão cultural: o racismo não existe porque as suas vítimas eram tradicionalmente oriundas das classes sociais mais baixas, cuja força de trabalho era explorada pelas classes altas — ele existe porque uma a cultura foi criada dentro da sociedade, ou seja, o culpado não é uma classe social economicamente opressora que domina a sociedade, mas sim a sociedade como um todo, incluindo os seus membros pobres e explorados. Portanto, o inimigo a combater não são os exploradores de todo o povo, a burguesia e a sua expressão internacional (imperialismo), mas os cidadãos comuns e, em última análise, os próprios explorados. Esta política, portanto, serve apenas para perpetuar a opressão imposta a todas as pessoas pela classe dominante e, na verdade, não combate de forma alguma o racismo.

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