Coreia do Norte, o país das ressurreições milagrosas

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© Photo: Public domain

Eduardo Vasco

Todas as notícias negativas difundidas em qualquer parte do mundo sobre a República Popular Democrática da Coreia têm origem nos serviços de inteligência da Coreia do Sul, do Japão ou dos Estados Unidos. A CIA tem um longo histórico de plantar informações falsas e boatos nas redações dos grandes jornais americanos, ou mesmo de pagar para que repórteres e editores publiquem uma notícia falsa – ou então de infiltrar agentes dentro das redações.

Uma quantidade imensa de reportagens sobre a RPDC ouve como fontes agentes da inteligência ou de outros órgãos de segurança sul-coreanos. Documentários produzidos pelas principais emissoras de TV dos Estados Unidos frequentemente apresentam como entrevistados especialistas no assunto funcionários ou ex-funcionários da CIA.

No começo deste mês foi noticiado que até 30 oficiais governamentais teriam sido condenados à morte por Kim Jong Un. A fonte é a TV Chosun, do mesmo grupo do jornal Chosun Ilbo, que citou apenas um suposto funcionário anônimo. É claro que essas fontes anônimas não existem, são um recurso para acobertar a fabricação de uma mentira. Até porque o grupo Chosun é conhecido por inventar histórias falsas sobre a RPDC, como a de 2019 que dizia (baseado em fontes anônimas) que um negociador nuclear havia sido executado e outro enviado a um campo de trabalhos forçados. A notícia foi desmentida poucos dias depois.

Alguns anos antes, o mesmo grupo jornalístico disse que a ex-namorada de Kim Jong Un havia produzido vídeos pornográficos e, por isso, foi executada por um pelotão de fuzilamento. As fontes, como sempre, eram anônimas. Mais tarde, ela apareceu em uma entrevista na TV coreana. A farsa havia sido desmascarada, novamente. Mas abundam as histórias farsescas que servem para acusar a RPDC de ser uma ditadura repressiva e maníaca.

Muito famosa é a história da execução do ministro da Defesa da RPDC, Hyon Yong Chol. Em 2015, ele foi morto com disparos de uma bateria anti-aérea em frente a um público de centenas de pessoas. Isso mesmo: uma bateria anti-aérea, armamento que é utilizado para derrubar aviões! O motivo da execução? Ele cochilou em um evento importante, na frente de Kim Jong Un! Apesar de ser um método obviamente muito estranho (e caro) de execução de um único indivíduo – e apesar de o motivo, o cochilo, ser ainda mais esdrúxulo –, isso não despertou nenhum pingo de dúvida nos jornalistas do mundo todo e a notícia se espalhou tanto que até mesmo o Jornal Nacional, o principal telejornal do Brasil, informou sobre o caso.

Se ninguém desconfiou de uma notícia tão absurda como essa, logicamente também não deu a mínima para o fato de que o responsável por essa informação vir à luz foi o Serviço de Informação Nacional da Coreia do Sul, que a transmitiu para o parlamento da Coreia do Sul e então para o mundo. Pouco depois, a própria agência de inteligência sul-coreana reconheceu que a informação não era confiável.

Na virada de 2013 para 2014, outra execução cruel já havia chocado os jornalistas. Chang Song Thaek, tio e mentor de Kim Jong Un, “foi comido vivo por 120 cães”, segundo o título da matéria do jornal O Globo, citando o jornal chinês Wen Wei Po. “O tio e cinco de seus assessores teriam sido despidos, jogados dentro de uma jaula e comidos vivos por uma matilha de 120 cães famintos e ferozes”, disse O Globo, que completou indicando que o próprio líder coreano “e seu irmão Kim Jong Chol teriam supervisionado a atrocidade por uma hora com 300 outros funcionários”.

Os editores de O Globo se sentiram tão envergonhados de noticiar uma mentira dessa que tiveram de citar um jornalista do The Washington Post (claro, um jornalista dos EUA tem mais autoridade para falar sobre a RPDC que os próprios coreanos) lembrando que o Wen Wei Po é um jornal sensacionalista e mentiroso, e que nenhum jornal chinês e nem mesmo da Coreia do Sul repercutiu essa notícia.

O Globo, no entanto, escolheu repercutir a farsa, destacando a mentira no título de sua matéria. E nunca a corrigiu, ainda que apenas três dias depois se soubesse que o Wen Wei Po (que é sediado em Hong Kong) simplesmente copiou a história da publicação satírica chinesa Pyongyang Choi Seongho.

Todo ano um cidadão coreano é morto de forma cruel pelo “regime”. Em fevereiro de 2016, a imprensa internacional noticiou que a vítima da vez foi o general Ri Yong Gil, do alto escalão das forças armadas. Três meses depois, porém, ele aparecia mais vivo e poderoso do que nunca. Mais uma vez, a informação falsa havia sido plantada pela inteligência sul-coreana.

Os informativos que sempre costumam veicular as mentiras sobre a RPDC, como a Associated Press ou a Fox News, passaram a mão na cabeça da espionagem da Coreia do Sul: “a notícia sobre Ri Yong Gil marca mais um erro dos oficiais de inteligência sul-coreanos, que frequentemente têm obtido informações erradas ao rastrear desenvolvimentos com seu rival. Isso também aponta para as dificuldades que até mesmo espiões profissionais têm em descobrir o que está acontecendo em um dos governos mais fechados do mundo.” É claro que os cúmplices da campanha de propaganda sempre vão defender seus comparsas como ingênuos que se equivocaram.

O New York Times também teve de desmentir a morte de Ri Yong Gil e, ao tentar livrar a barra dos serviços de desinformação sul-coreanos, afirmando que “oficiais [norte-coreanos] têm desaparecido da vista do público por meses a fio apenas para ressurgir mais tarde”, acabou lembrando de outra invenção. Em 2015, além da “execução” de Hyon Yong Chol, a inteligência sul-coreana havia forjado a notícia do “expurgo” do general Ma Won Chun, à frente das obras no aeroporto de Pyongyang. “Mas o general Ma, aparentemente, foi simplesmente rebaixado de posto e reapareceu no final do ano”, recordou o Times.

Algo de muito estranho certamente acontece nesse país misterioso conhecido como Coreia do Norte. Pelo visto, como já ironizaram alguns observadores das notícias sobre o país na imprensa internacional, aquela é uma terra onde as pessoas costumam ressuscitar após a morte terrível.

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