Uma mulher de 32 anos, da província de Chiba (Japão), foi condenada a 2 anos e meio de prisão em regime fechado na quarta-feira (19/06), e por cinco anos com liberdade vigiada, por ajudar seu marido a agredir a filha e, assim, contribuir para a morte da criança no início deste ano.
A morte horrível de Mia Kurihara, de 10 anos de idade, cujo corpo machucado foi encontrado no banheiro da casa de sua família na cidade de Noda, no final de janeiro de 2019, atraiu grande atenção da mídia dentro e fora do Japão.
O caso destacou as falhas no sistema de prevenção do abuso infantil no país, com os pedidos de Mia à sua mãe, Nagisa, e a sua escola de ensino fundamental para obter ajuda contra seu pai agressivo, ter sido ignorado.
O pai de Mia, Yuichiro, de 41 anos, foi preso por supostamente agredir Mia, inclusive no dia em que ela morreu, mas uma autópsia não conseguiu determinar a causa de sua morte. Ele está aguardando julgamento.
A polícia japonesa concluiu que Nagisa estava em casa quando o marido agrediu Mia e suspeitou que, por ordem do marido, ela também infligiu ferimentos na própria filha.
Os promotores pediram uma pena de prisão de dois anos para Nagisa, mas os advogados da mulher pediram uma sentença reduzida, dizendo que a própria Nagisa também foi vítima da violência doméstica de seu marido.
O Tribunal Distrital de Chiba considerou Nagisa culpada de contribuir para a agrssão da criança e elevar o nível de estresse de Mia, dada a gravidade do crime de Yuichiro, chamando a série de ataques a Mia “de cruel”.
Ao explicar a decisão a ré, o juiz Kenji Koike disse:
“Você era a única em quem (Mia) podia confiar (em sua provação). Eu quero que você reflita sobre você mesmo e o que você fez (para Mia) enquanto se reajusta à sociedade.”
Com base nas provas e no depoimento de Nagisa, o tribunal disse que a mulher sabia sobre incidentes em que seu marido acordava Mia no meio da noite e a fazia ficar de pé ou no local por longos períodos, ou mergulhá-la em água fria. Nagisa também admitiu que houve dias em que ela não deu comida para a filha por insistência do marido.
Koike disse que Nagisa não conseguiu impedir o marido ou até mesmo questioná-lo sobre o que estava acontecendo, e concluiu:
“O que deveria ter passado em sua mente enquanto assistia Mia sendo torturada fisicamente e mentalmente na frente de seus olhos?”.
No entanto, o tribunal de Chiba reconheceu como fatores atenuantes a exposição da mulher ao abuso e a intimidação e controle de Yuichiro sobre ela, bem como sua precária saúde mental.
Um número de especialistas jurídicos em casos de abuso concordam com a decisão de parcialmente libertar a mãe da responsabilidade pela morte da criança, ressaltando que outras partes também podiam ter detectado os sinais de socorro e com isso evitar os fatos que levaram à morte de Mia.
Masako Hayakawa, um advogado com experiência em violência doméstica, disse que o que está sob escrutínio nesses casos, onde uma vítima de violência doméstica assiste no ataque, é se a mãe era realmente capaz de proteger a criança. Ela acredita que Nagisa não era.
“Se (uma mulher) que testemunha abuso (em seu filho) é vítima de violência, ela sabe que o agressor pode prejudicá-la e se preocupa com a reação do agressor a qualquer tentativa de parar o ataque pode acabar em raiva excessiva”, disse ela ao The Japan Times. “Então eu não acho que (uma vítima de violência doméstica) em tal situação é capaz de impedir alguém de abusar da criança, apesar de estar em posição de agir (como um guardião)”.
Hayakawa, que dirige um grupo de apoio e consultoria jurídica para vítimas de violência doméstica em Kanoya, na província de Kagoshima, também apontou que Nagisa provavelmente não teria consciência de ser uma vítima de abuso – razão pela qual sua intervenção seria improvável.
“Em casos de suspeita de abuso infantil, também devemos suspeitar que a criança não é a única vítima”, o que pode ter sido negligenciado no caso dos Kuriharas, disse Tsuneo Yoshida, diretor da Rede Japonesa para a Prevenção do Abuso Infantil e Negligência.
Yoshida, que também é professor emérito de direito na Universidade de Surugadai, na província de Saitama, explicou que, de acordo com a lei de prevenção do abuso infantil, a violência contra o cônjuge é listada ao lado de ataques diretamente à criança, como uma forma de abuso psicológico direcionado à criança.
“A lei foi escrita com base na premissa de que maus-tratos à criança geralmente acompanham a violência doméstica”, disse ele, explicando que, ao responder a supostos casos de abuso infantil, os centros de consulta infantil deveriam agir com base nessa premissa.
Autoridades locais haviam sido alertadas sobre o alegado abuso contra Mia. Mia foi temporariamente levada sob custódia protetiva depois que ela relatou em um questionário da escola que seu pai a “agrediu”, dizendo que ela foi empurrada, espancada e chutada por seu pai.
Mas depois que ela começou a dizer que queria ir para casa, o centro liberou a menina da custódia protetora, apesar da suspeita de que seu pai também tivesse abusado sexualmente dela.
“Já foi apontado que o que faltava no caso dos Kuriharas era a cooperação entre instituições” que poderia ter intervido, ou agido de forma mais proativa, na proteção da vida da criança, disse Yoshida. “Eles podem ter negligenciado os sinais que levaram ao incidente (fatal).”
Fonte: Japan Times/agência Kyodo/ANN News