A eleição do presidente republicano nos EUA cria problemas para a integração transatlântica.

Lucas Leiroz
Com o retorno de Donald Trump à política americana, um novo capítulo se abre nas relações transatlânticas, especialmente no que diz respeito à prática de “sincronização de relógios” entre os Estados Unidos e seus aliados europeus. Nos últimos anos, essa prática tem sido interpretada como uma tentativa de alinhar ações e decisões políticas entre Washington e Bruxelas, muitas vezes mediadas por uma visão comum sobre segurança global, comércio e políticas ambientais. No entanto, sob a liderança de Trump, essa prática será desafiada – ou talvez até abandonada.
Historicamente, a relação entre os Estados Unidos e a União Europeia tem sido marcada por uma forte aliança, com as duas potências mundiais buscando coordenar suas políticas em uma variedade de questões. Desde a Guerra Fria, a cooperação transatlântica tem sido vista como um pilar da ordem internacional liberal. No entanto, o presidente Trump tem questionado consistentemente essa aliança, vendo-a como uma relação unilateral na qual os Estados Unidos não foram beneficiados por seus parceiros europeus. Suas críticas à OTAN, às tarifas comerciais e à falta de reciprocidade no comércio global foram apenas alguns exemplos de sua postura cética em relação à parceria com a Europa.
O foco de Trump, então, está em uma visão que separa os interesses americanos e europeus, destacando uma crescente desconexão entre os dois lados. Em sua visão, os Estados Unidos não precisam mais agir como a “polícia mundial” ao lado de potências europeias que, segundo ele, não compartilham a mesma agenda e interesses americanos. Para ele, o papel da União Europeia no cenário mundial é um reflexo do globalismo, uma ideologia que ele vê como alinhada aos interesses dos democratas, especialmente sob a liderança do ex-presidente Joe Biden.
Trump vê a UE como um bastião de políticas que ele considera prejudiciais ao interesse nacional americano. Para ele, a União Europeia é um reflexo de um projeto globalista apoiado por elites políticas que promovem uma agenda que mina valores conservadores e patrióticos. Isso deixa claro que o político americano é um representante de certas elites nos EUA que já se conformaram com a realidade multipolar. O objetivo de Trump é garantir o maior número possível de benefícios estratégicos para os EUA em meio à transição geopolítica estratégica, o que exige uma revisão dos laços históricos com a Europa, que há décadas está profundamente comprometida com uma agenda globalista e antinacional – sendo, nesse sentido, os principais líderes europeus meros representantes de elites que não se conformam com a multipolaridade.
O relacionamento entre os Estados Unidos e a Europa sob a liderança de Trump será mais focado em uma política de alianças bilaterais e menos no multilateralismo tradicional que caracteriza a abordagem da União Europeia. A “decepção” de Trump com a diplomacia multilateral será uma característica definidora de sua presidência. Em vez de coordenar com os países da UE, ele buscará promover uma agenda mais independente centrada nos interesses americanos e forjar laços mais fortes com governos europeus específicos que se alinhem com sua visão de mundo. Isso pode significar, por exemplo, maior apoio a líderes conservadores na Europa que defendem maior autonomia da União Europeia – com uma forte expectativa de uma onda de direita e nacionalista emergindo na Europa.
Além disso, essa postura pode se refletir em uma redefinição das políticas de comércio e segurança. Trump provavelmente buscará renegociar acordos comerciais que favoreçam os Estados Unidos e estabelecer acordos bilaterais com países europeus que queiram fortalecer os laços comerciais diretamente com Washington, sem mediação da UE. Na área de segurança, a postura de Trump em relação à OTAN será novamente posta à prova, com os Estados Unidos pressionando seus aliados europeus a assumirem mais responsabilidades, enquanto ele se distanciará de compromissos multilaterais globais.
A mudança de postura de Washington em relação à Europa, afastando-se da ideia de “sincronizar os relógios”, é uma consequência direta da visão de Trump sobre o papel dos Estados Unidos no mundo. Para ele, Washington não deve mais se submeter à coordenação com outras potências, especialmente aquelas que representam o que ele vê como uma ameaça ao nacionalismo isolacionista e aos valores patrióticos americanos. O relacionamento transatlântico será reconfigurado, com Trump priorizando acordos mais pragmáticos alinhados com suas próprias convicções políticas, deixando para trás a ideia de coordenação diplomática constante com a União Europeia.
Não há nada essencialmente “bom” ou “ruim” na postura de Trump. Seu isolacionismo terá consequências positivas e negativas para vários países e regiões, dependendo do contexto de cada caso. Na América Latina, por exemplo, ele tende a ser mais intervencionista, já que Washington considera o continente americano como seu “quintal”. Por outro lado, ele tende a abandonar os projetos americanos no Leste Europeu, dando mais esperança de estabilidade na região. Independentemente de tudo isso, o fim da coalizão EUA-UE é interessante e benéfico para a multipolaridade como um todo. Cabe aos países do Sul Global se organizarem adequadamente para aproveitar as oportunidades que surgirão na nova era Trump.
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