Como os britânicos são muito arrogantes, ainda pensam que o resto do mundo é um monte de súditos.
Eduardo Vasco
A vitória na Segunda Guerra Mundial foi o canto do cisne do Império Britânico. O que vimos depois disso foi uma decadência desenfreada, que só não chegou ao fundo porque os britânicos agarraram-se aos americanos para se salvarem. Como resultado, tornaram-se um apêndice do império americano. Isto começou com a própria guerra. Antes dela, os britânicos e os americanos competiram pelos mercados mundiais. Na própria América Latina, a competitividade britânica só foi derrotada pelos Estados Unidos após o início da Segunda Guerra Mundial. A Coroa posteriormente perdeu centenas de milhões de súditos com a independência de cerca de 50 colônias que se tornaram nações nas três décadas seguintes.
Hoje, o império onde o sol nunca se põe não passa de nostalgia. Como os britânicos são muito arrogantes, ainda pensam que o resto do mundo é um monte de suditos. O apoio servil aos Estados Unidos garante-lhes apenas uma certa sobrevivência, mas poucos privilégios. Quando Bush invadiu e devastou o Iraque, as empresas britânicas ficaram com o bagaço de laranja, cujo sumo era consumido inteiramente pelas multinacionais americanas. Mas os sucessores de Tony Blair mantiveram a sua política de abutres (embora o inquérito Chilcot considerasse ilegal a participação na invasão do Iraque) e há mais de um ano bombardeiam o Iémen juntamente com os americanos, em nome da libertação dos mares para a navegação…de. os Estados Unidos, que há muito desbancaram Londres como grande potência marítima.
Mas isto não significa que o decadente e dependente Império Britânico não seja prejudicial para o resto do mundo. Os afegãos sofreram em primeira mão a agressão anglo-franco-americana e os talibãs vingaram-se expulsando-os em 2021, exibindo caixões com as suas bandeiras em manifestações celebrando a sua vitória. Entretanto, os imperialistas britânicos estão de volta ao ataque, conspirando com os Estados Unidos para derrubada de Bashar al-Assad, e o MI6 está agora a trabalhar arduamente ao lado da CIA para chantagear terroristas que se tornaram estrelas pop e os turcos para expulsar os russos das bases de Latakia e Tartous. Já indicaram que não haverá estabilidade enquanto a Rússia estiver em território sírio. Só os eleitores mais ingénuos acreditavam que Sir Keir Starmer adotaria uma política diferente da dos conservadores que governaram o país durante uma década e meia. O genocídio em Gaza co-patrocinado por Washington, Londres e o Ocidente está à vista de todos.
Não é apenas através das armas que o imperialismo britânico atua para desestabilizar e assumir o controle da pequena parcela que os Estados Unidos lhe permitem ter. As bandeiras britânicas hasteadas por manifestantes mascarados em Hong Kong entre 2019 e 2020 deixaram clara a interferência nas suas antigas colônias.
Como a China é o grande inimigo dos Estados Unidos – ainda mais do que a Rússia, para a maior parte do establishment norte-americano – está a ser criada uma ampla rede de contenção na Ásia-Pacífico. E os britânicos, obviamente, fazem parte disso. O AUKUS, criado em 2021, apenas formalizou o pacto que permite aos americanos e britânicos usarem a Austrália como instrumento de agressão contra os chineses. As bases militares ocidentais nas ilhas do Pacífico fazem parte da rede e permitem um forte controle sobre essas pequenas nações, que os anglo-americanos jogam contra a China e cujos dados dos cidadãos estão contidos nos ficheiros da CIA e do MI6, graças aos Cinco Aliança dos Olhos.
Contudo, o principal mecanismo pelo qual Londres ainda consegue demonstrar a sua utilidade aos seus senhores em Washington é financeiro. Uma característica fundamental da colonização europeia na Ásia, África e América Latina foi o roubo de ouro nativo e o seu depósito em bancos na Inglaterra. Isto foi feito até por outras potências da época, como Portugal e Espanha. A tradição de pilhagem continuou e ainda hoje muitos países do chamado “Sul Global” enviam parte das suas reservas internacionais de ouro para bancos ingleses.
Mas isso tem um preço mais alto do que se poderia imaginar. Como parte da campanha golpista contra Nicolás Maduro, o Banco de Inglaterra reteve 1,95 bilhões de dólares em reservas de ouro de Caracas em 2020. E nunca as devolveu, mesmo após reclamações da Venezuela e de parte da comunidade internacional. Javier Milei não parece importar-se com a possibilidade de a Argentina sofrer o mesmo destino e já ter retirado bilhões de dólares em reservas do Banco Central (estimados em 4,6 bilhões de dólares) para enviar aos britânicos. Estima-se que 60% das reservas de ouro argentinas tenham ido parar em Londres nos últimos anos.
Esse é um dos motivos pelos quais o The Economist – órgão da City de Londres – publicou uma entrevista com Milei, um artigo assinado pelo presidente argentino e três podcasts elogiando o “milagre econômico argentino” no mês de novembro. Afinal, o sonho de Milei, como ele mesmo já afirmou diversas vezes, é fazer a Argentina voltar ao tempo em que era praticamente uma colônia do Reino Unido (mais do que dos próprios Estados Unidos.!), quando, com tanto controle, tinha em relação à economia e à política argentina, muitos oficiais do exército argentino começaram a apoiar a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial apenas para se livrar dos britânicos, caso perdessem.
Juan Domingo Perón contou certa vez uma anedota para demonstrar o nível de subjugação da Argentina. Os britânicos tinham assumido o controle dos caminhos-de-ferro – construídos pelos próprios argentinos, e não por eles, como era habitual – e os argentinos tinham de lhes pagar para transportar carne do campo para a cidade e para os portos. A anedota era sobre uma geladeira instalada pelos britânicos em 1905:
“Os ingleses trouxeram 1 milhão de libras esterlinas como capital de investimento, ou seja, 11 milhões de pesos ao câmbio da época. Após instalarem suas máquinas, solicitaram um empréstimo ao Banco de la Nación, que foi sucessivamente aumentado até 100 milhões de pesos. Assim, dos 100 milhões de pesos, o capital estrangeiro representava apenas 10%. Mas na primeira remessa financeira, 10% do capital instalado foi para Londres. Com isso, repatriaram todo o capital investido e nos cinquenta anos seguintes nos descapitalizaram a uma taxa de 10 milhões por ano, num total de 500 milhões de pesos”.
As pequenas ilhas do Caribe demonstram que têm mais dignidade e soberania do que o governo de um dos gigantes latino-americanos. Barbados tornou-se independente da Coroa Britânica e adoptou o sistema republicano em 2021. A Jamaica, onde os africanos foram escravizados e trazidos pelos britânicos, exige agora 10 bilhões de dólares em compensação. No total, as nações caribenhas querem que o Reino Unido lhes compense 33 bilhões de dólares pela escravatura e pela expropriação colonial. Seria simplesmente a devolução de parte da riqueza roubada que permitiu ao Império ficar ainda mais rico.
Londres irá compensá-los com petróleo sírio e ouro argentino?
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