O conflito na Ucrânia marca um fim de era: a da dominação ocidental

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A UE atua na Ucrânia com servidor dos Estados Unidos

O conflito militar em curso na Ucrânia é um divisor de águas, um evento de imenso significado histórico. Ele marca uma ruptura com o passado e o início de uma nova realidade geopolítica, uma realidade que será acompanhada de progresso nas relações internacionais rumo a maior desenvolvimento económico, justiça e paz.

O conflito militar na Ucrânia não é acerca de uma disputa estreita entre a Ucrânia e a Rússia. Ele é, sim, o sinal anunciador de uma maior confrontação entre, por um lado, os EUA que lideram a ordem ocidental e, por outro, nações como a Rússia, China e outras que se recusam a aceitar um papel subordinado. Nossa entrevista com Bruce Gagnon, esta semana, elucida o grande quadro geopolítico e o que está em causa.

Um sinal seguro das suas grandes dimensões é o modo como os EUA, a Otan e aliados europeus rapidamente instalaram uma guerra híbrida total à Rússia, numa tentativa de destruir a sua economia. As afirmações ocidentais acerca da “defesa da democracia, soberania e direito internacional” são vis e fraudulentas. Ao canalizarem armas para um regime repressivo e corrupto cujo sector militar está infestado com regimentos nazis?

Não, os EUA e os seus aliados ocidentais estão a utilizar o conflito – um conflito que a Rússia tenazmente tentou evitar fazendo apelos razoáveis a tratados de segurança com a Otan – como uma oportunidade para esmagar a Rússia. E não se trata simplesmente de esmagar a Rússia. Trata-se de esmagar qualquer desafio à ordem ocidental. Isto envolve inevitavelmente confrontação com a China e outros países que procuram desafiar o “Consenso de Washington”.

A censura draconiana dos media internacionais da Rússia e o bloqueio sobre a economia russa indica que uma campanha de hostilidade total das potências ocidentais estava pronta para arrancar. A intervenção da Rússia na Ucrânia em 24 de Fevereiro – baseada em princípios plausíveis de autodefesa – proporcionou a plataforma de lançamento para a hostilidade ocidental. Mas esta hostilidade não é apenas em relação à Rússia. Ela destina-se a confrontar o surgimento de uma ordem mundial multipolar que ultrapasse o controle da dominância estadunidense. Esta dominância – ou hegemonia – está baseada na controle estadunidense do sistema financeiro global bem como sobre o poder militar bruto americano, com a assistência dos seus adjuntos da Otan.

As preocupações imediatas da Rússia acerca da Ucrânia eram baseadas na ameaça crescente que este país vizinho a ocidente apresentava devido ao seu traiçoeiro envolvimento com a Otan e aos assaltos inaceitáveis que o regime de Kiev infligia às populações de língua russa na região do Donbass ao longo de cerca de oito ano. Mas ao defender estas preocupações nacionais, a intervenção militar na Ucrânia desafiou também todo o sistema da ordem ocidental dominada pelos EUA.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, acerca destes desenvolvimentos notou que conduzem a um fim de era. Ele considerou aos media russos esta semana:   “Nossa operação militar especial tem como objetivo por fim às expansões irrestritas e ao livre curso da dominação total dos EUA e de outros estados ocidentais na arena internacional”.

Vale a pena refletir sobre o seu raciocínio quanto à razão porque a duplicidade e a hipocrisia das potências ocidentais tornaram-se intoleráveis e porque tal arrogância unipolar estava, e está, a destruir a ordem internacional.

Lavrov comentou com ironia: “É possível reconhecer a independência do Kosovo sem um referendo, mas é impossível reconhecer a independência da Crimeia, declarada após um referendo, observada por centenas de representantes estrangeiros objetivos. Os EUA imaginaram uma ameaça à sua segurança nacional no Iraque a milhares de quilómetros de distância, mas quando o bombardearam e não descobriram ameaça ali eles não pediram desculpas. E quando neonazis e ultraradicais estão a ser cultivados e a crescer junto às nossas fronteiras, quando dezenas de laboratórios biológicos estão a criados sob a supervisão do Pentágono, a executarem alguns experimentos que acima de tudo têm como principal desenvolver armas biológicas – os documentos descobertos não deixam lugar a dúvidas – então não nos é permitido reagir a esta ameaça, exatamente junto às nossas fronteiras, não para além do oceano”.

O que a Rússia tem feito com a operação militar na Ucrânia, nos seus próprios termos e após avaliação independente, é sinalizar que a presumida dominância dos Estados Unidos e dos seus aliados ocidentais está acabada.

A era pós-soviética dos últimos 30 anos está acabada. A Rússia não está mais interessada em integrar-se com uma ordem global centrada no ocidente, como escreve esta semana Fyodor Lukianov num artigo no Rússia in Global Affairs. A Rússia agora está a escolher “uma outra estrada”.

Esta estrada significa abraçar plenamente um mundo multipolar tal como anunciado pela integração Econômica Euroasiática e a parceria estratégica com a China, Índia e outros. Os vastos recursos naturais da Rússia, primariamente na esfera da energia, serão dirigidos rumo ao desenvolvimento euroasiático e, ao assim fazer, serão amplamente recompensados. São a economias ocidentais que precisam da Rússia mais do que esta precisa delas, como observou esta semana o presidente russo Vladimir Putin.

A transição para uma nova ordem global levará tempo e envolverá desvios temporários. Levará tempo construir a necessária infraestrutura de gás e oleodutos, por exemplo. Mas a trajetória geral é viável e sólida, ela já está em andamento.

A profunda importância histórica destas mudanças tectónicas globais é evidente na visão do economista russo Sergey Glazyev, tal como apresentada nesta entrevista erudita com Pepe Escobar. Glazyev trabalha há anos em função oficial na União Econômica Euroasiática (UEEA). Ele pormenoriza a evolução implementação de uma nova ordem financeira global que substitua o sistema baseado no US dólar. A nova ordem está a ser desenvolvida pela Rússia, China e outros com o propósito explícito de se tornarem independentes da dominância da dívida dos EUA e do ocidente e da divisa do imperialismo.

O que está a acontecer na Ucrânia é realmente a conclusão de uma era e a feitura de uma nova época. Guerra e sofrimento são abomináveis. Mas o sistema dominado pelo ocidente não deixou à Rússia outra escolha senão utilizar a força física a fim de defender os seus interesses vitais. Agora que a ruptura aconteceu, há um sentimento de que o Rubicão foi ultrapassado. Não há volta atrás. A resposta ocidental foi autoderrotista. A sua guerra híbrida contra a Rússia catalisou a morte da dominância dos EUA e do ocidente global. O seu abuso politizado do sistema dólar danificou fatalmente tal sistema e pressagia a aceleração de um melhor, de uma alternativa mais globalmente democrática.

Indiscutivelmente, a escala de tempo deste processo global vai além das três décadas pós-soviética ou da era pós-Gold Standard terminada em 1971 – quando os EUA a mataram para manter a supremacia do dólar. Ela vai mesmo além das oito décadas desde a II Guerra Mundial. Estamos a olhar para os últimos 500 anos da Europa ocidental e dos seus poderes coloniais, ultimamente encabeçada pela hegemonia dos Estados Unidos e o seu criminoso belicismo que vagabundeia pelo mundo.

Não há garantia do resultado. Mas basta dizer que a velha ordem liderada pelos EUA tem de ir e irá, precisamente porque já não é mais viável para o resto da humanidade.

Fonte:  www.strategic-culture.org

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