ONGs e agronegócio se unem contra desmatamento na Amazônia

Grupo apresenta propostas ao governo Bolsonaro para uma redução rápida e permanente do desmatamento da Floresta Amazônica, argumentando que perdas para o Brasil são ambientais e econômicas

queimadas

Uma coalizão formada por 230 organizações não governamentais (ONGs) e empresas ligadas ao agronegócio enviou na terça-feira ao governo federal um conjunto de propostas para combater o desmatamento na Amazônia.

O documento foi encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro, ao vice-presidente Hamilton Mourão, aos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente, da Economia e da Ciência e Tecnologia, a líderes e parlamentares do Congresso Nacional, do Parlamento Europeu e a embaixadas de países europeus.

O grupo afirmou que uma redução rápida no desmatamento, em alguns meses, é fundamental não apenas por motivos ambientais, mas também econômicos. “Há uma clara e crescente preocupação de diversos setores da sociedade nacional e internacional com o avanço do desmatamento.”

De um lado, o grupo conta com organizações de proteção ambiental como WWF Brasil, World Resources Institute (WRI), Imazon e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Do outro, estão algumas das maiores empresas do mundo nos seus setores, como JBS, Marfrig, Amaggi, Bayer, Danone, Natura e Unilever.

O grupo lista seis propostas ao governo Bolsonaro para reduzir de forma rápida e permanente o desmatamento na maior floresta tropical do mundo.

Fiscalização

A primeira pede a “retomada e intensificação” da fiscalização por parte dos órgãos oficiais, que tiveram recursos cortados pelo governo, com punição pelos crimes ambientais identificados.

A segunda defende a suspensão de novas inscrições de propriedades no Cadastro Ambiental Rural porque “incidem sobre florestas públicas” e são, portanto, “irregulares e devem ser suspensas”.

O grupo propõe destinar uma área protegida de 10 milhões de hectares para proteção e uso sustentável em regiões com altos índices de desmatamento e também que a oferta de financiamentos passe a adotar critérios socioambientais.

Na quinta medida, as empresas e associações pedem total transparência e eficiência por parte das autoridades relativamente à permissão de qualquer alteração na cobertura vegetal da Amazônia.

Por último, a coalizão requer que sejam suspensos todos os processos de regularização das terras onde se tenha registrado desmatamento a partir de julho de 2008.

Extrativistas cercados pelo fogo

O fogo chegou por todos os lados da Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt, unidade de conservação no noroeste de Mato Grosso, localizada a 1,2 mil km da capital, Cuiabá, e que possui um formato peculiar e um extenso perímetro. Seja por fazendas que contestam os seus limites, legalmente reconhecidos desde 2015, seja por invasores ilegais, como garimpeiros e madeireiros, as cerca de 80 famílias extrativistas que vivem no local enfrentam pressões crescentes.

– Às vezes, o fazendeiro vizinho, mesmo sem muita intenção de prejudicar, também limpa o pasto, e sobra para quem vive do outro lado do rio – conta Raimunda Rodrigues da Silva, de 53 anos, uma das moradoras da resex. “O fogo escapa e vem parar aqui, no nosso quintal.”

Segundo análise com dados do Prodes/Inpe, 17.565 hectares da Resex Guariba-Roosevelt (11% da área total) foram desmatados até 2019. Desse total, apenas 17% (2.915 hectares) já estavam assim na data de sua criação, em 1996. O restante (14.650 hectares) foi desmatado desde então, principalmente por invasores em busca de madeira. No ano passado, a resex foi a terceira sob gestão estadual com mais focos de calor, em todo o território nacional.

O que torna a unidade alvo de tanta degradação são, além de suas grandes reservas de madeira, possíveis jazidas de diamante e ouro. Mas, para os moradores da região, a verdadeira riqueza das margens dos rios Roosevelt e Guariba são as seringueiras e castanheiras.

O modo de vida das famílias extrativistas na resex remonta a uma cultura de, pelo menos, 150 anos. Para os moradores da reserva, a floresta em pé tem mais valor do que as matas degradadas. A lógica ali praticada é perseguida por conceitos de sustentabilidade que poucos conseguem pôr em prática com a mesma destreza dos homens e mulheres que percorrem os caminhos da seringueira nativa, abertos na Floresta Amazônica por seus avós.

– Fumaça, queimadas, invasores, madeireiros, violência, garimpo ilegal, falta de incentivo, e, agora, o tal do coronavírus. É difícil, mas a gente é danado de insistente! – afirma Raimunda, dando uma gargalhada capaz de provocar os mais céticos. A extrativista, magra, baixa e de menos de cinquenta quilos, exprime no olhar a força e a experiência da líder da reserva.

Ela explica por que as queimadas são novamente uma ameaça a um dos últimos remanescentes de floresta de Mato Grosso.

– A gente fica ali, do outro lado do rio sufocado e fitando a linha de fogo que se espalha por todos os lados. Dá aquela agonia, só de pensar nas chamas chegando. A colocação de seringa (os caminhos da floresta que levam às árvores de onde se extrai o látex) do meu marido fica perto de áreas de fazenda (na verdade, invasões à resex). Se pegar fogo, acabou tudo. Mas, não vamos sair. Ninguém nos tira da resex. É nossa casa. A floresta cuida de nós, e nós cuidamos dela. Somos como as árvores, enquanto estivermos de pé, vamos ficar – diz.

Semana de fogo

A ameaça do fogo aumenta a cada dia. O monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra Mato Grosso como o segundo estado com mais queimadas na Amazônia, acumulando 36% do total de focos (29.843 focos) entre 8 e 14 de setembro, segundo dados do satélite S-NPP da Nasa.

Só no município de Colniza, onde está a maior parte da resex, foram 1.917 focos (3,85% do total de toda Amazônia). Em Aripuanã, município vizinho que também abriga parte da reserva, foram 1.895 focos (3,81% do total), o que coloca os dois municípios entre os dez com mais alertas de queimadas na Amazônia toda.

A resex vem queimando desde julho. E tem fogo há 24 dias seguidos (desde 29 de agosto). Só na última semana, foram 103 focos (23% do total) captados pelo satélite S-NPP/VIIRS.

Preparo do terreno

Dentro da reserva extrativista, são inúmeros os registros de áreas de floresta derrubadas por invasores na forma de leira. O termo é usado para definir o primeiro estágio de uma das técnicas de queimada para conversão de áreas florestais em pastagens. Depois que a floresta é derrubada, galhos e tocos são amontoados, em um sinal claro de que tudo vai arder em breve.

Antes do início da temporada de queimadas, os extrativistas já estavam com problemas. A falta de apoio do governo estadual, que até hoje não implementou a unidade de conservação sob sua responsabilidade, gera uma situação de total inanição de recursos. Falta tudo: barcos, combustível e infraestrutura para tornar viável a produção das famílias, entre outras questões.

Em protesto, os moradores da resex fizeram um manifesto de resistência nas redes sociais. Intitulado “Desabafo dos seringueiros”, o vídeo foi gravado às margens do rio Roosevelt, durante uma venda de borracha.

Ailton Pereira dos Santos, presidente da Associação dos Moradores Agroextrativistas da Resex Guariba-Roosevelt, rio Guariba (Amorrar), mandou a mensagem para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), relembrando que nenhum representante da entidade estava presente na primeira venda do fabril de sangria do látex, no início de setembro. “Estamos resistindo, apesar da falta de apoio”, disse.

E eles resistem. Apesar de todos os obstáculos, incluindo a pandemia de covid-19, produziram 7,5 toneladas de látex na safra de 2020 (janeiro a agosto). A safra da castanha de 2019/20 foi de 55 toneladas, e a de farinha de mandioca, de 12 toneladas. Se conseguirem vencer as queimadas, a expectativa é que fechem o ano com mais de 15 toneladas de borracha extraída de manejo florestal, mostrando que, sim, a floresta tem um grande valor em pé.

Mas, a ausência do Estado é o grande obstáculo aos extrativistas no Brasil. Para mudar essa realidade, é imprescindível rever os paradigmas nacionais que impulsionam a desvalorização dessas comunidades. A afirmação é de Ângela Mendes, presidente do Comitê Chico Mendes, que leva o nome de seu pai, criador do movimento extrativista no país.

– Não podemos exigir da comunidade internacional o que não fazemos aqui. Precisamos desconstruir tudo, nossa forma de pensar. Agora mesmo, ano passado, muitos brasileiros elegeram um governo que está ao lado de um discurso de não valorização das populações tradicionais – disse, em um dos últimos grandes encontros presenciais dos povos da floresta, que reuniu mais de 450 lideranças na aldeia Piaraçu, na terra indígena do cacique caiapó Raoni Metuktire, em Mato Grosso.

– Ou mudamos, ou vamos perder os extrativistas – alertou Ângela Mendes.

As perdas podem incluir tesouros incalculáveis. Um dos participantes do “Desabafo dos Seringueiros” foi Francisco Chaga Brito de Nascimento, o “seo Chico Preto”, de 52 anos, um dos maiores produtores de látex do rio Roosevelt. Sua colocação é uma das mais distantes e tradicionais da reserva extrativista, já na divisa entre o Mato Grosso e o Amazonas.

Ali, às margens de um rio que por pouco não matou o ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, em uma insólita aventura com o Marechal Cândido Rondon, em 1914, e que, por ironia do destino, acabou recebendo o nome desse mesmo homem que criou as primeiras unidades de conservação do mundo, os extrativistas lutam para guardar a floresta para si e também para o resto do planeta.

Apesar dos esforços sobre humanos, eles ainda não ganham nada por isso das comunidades internacionais. O que lhes sobra para viver ainda vem da floresta que tanto protegem. O retorno vem através do látex e de outros tesouros, como o sangue-do-dragão, produto quase desconhecido nas cidades, mas famoso entre os verdadeiros nativos da Amazônia. O remédio vem da seiva da dragoeira, uma árvore única, que sangra vermelho quando talhada e pode render litros em mãos hábeis, como as de Chico Preto.

– É para virose, dor de estômago, câncer, um monte de coisa –  explicou Chico, durante uma amostra da extração em sua estrada de seringa.

Um lugar quase mágico, cercado de seringueiras centenárias. Algumas riscadas tão alto que só podiam ser acessadas por escada. “Assim é para não magoar a árvore, já estão muito judiadas”, disse, enquanto caminhava tão rápido pela trilha que chegava a ser impossível alcançá-lo sem tropeçar no emaranhado de raízes.

Para muitos, como dona Antônia, essa seria uma perda incalculável, pois as dragoeiras podem ser a cura até para males que atualmente incomodam grande parte da população mundial.

– É, aqui nós tomamos remédios da farmácia da floresta e ninguém pegou o coronavírus. Mas, lá na Colniza já tem muitos casos. Até fiquei sabendo que o povo do invasor não acredita que existe o coronavírus. E ainda dizem que nós é que não sabemos de nada – diz uma reflexiva dona Raimunda, que faz uso constante do sangue-do-dragão e da valorização da floresta em pé.

Autoridades responsáveis

Segundo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA-MT), foram feitos trabalhos de fiscalização na Resex Guariba-Roosevelt para coibir as queimadas. Equipes do Batalhão de Emergências Ambientais (BEA), do Corpo de Bombeiros, estão na região e realizam trabalhos preventivos para combate aos incêndios.

De acordo com o Comando do Batalhão do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, a corporação conta com dois Instrumentos de Resposta Temporários (IRT) para atender à reserva extrativista: em Aripuanã, a Brigada Municipal Mista 7 é composta por dois bombeiros militares, ao passo que, em Colniza, a Base Descentralizada Bombeiro Militar 11 é formada por quatro bombeiros militares, sem a atuação de aeronaves.

Juntas, as principais bases de combate a incêndios dessa região de Mato Grosso reúnem seis oficiais e são relevantes para uma área quase três vezes maior que o estado do Rio de Janeiro, ou o equivalente ao território da Inglaterra.

Ainda sem confirmação oficial pelo Ministério da Defesa, circulam na região rumores de que um grupo da Força Nacional estaria chegando para apoiar o combate às queimadas. Alguns moradores da resex afirmam que viram integrantes do Exército e dois helicópteros próximos a Vila Guariba, um dos locais mais violentos da Amazônia, palco de dezenas de chacinas noticiadas pela imprensa nacional e de disputas por madeira e terras. O distrito é vizinho à Resex Guariba-Roosevelt e concentra grande parte dos focos de calor de Colniza.

Fonte: CdB

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