Anticomunismo, uma religião fundamentalista (1)

Lenin

por Andre Vitchek [*]

Há 150 anos, em 21 de abril de 1870, nasceu Vladimir Ilyich Ulyanov, também conhecido como Lenine. Segundo muitos, ele foi o maior revolucionário de todos os tempos, um homem que deu origem ao internacionalismo e ao anti-imperialismo.

É tempo de “revisitar o comunismo”. Também é tempo de fazer algumas perguntas básicas e essenciais:

“Como é possível que um sistema tão lógico, progressivo e tão superior ao que ainda hoje governa o mundo, não tenha derrubado permanentemente o niilismo e a brutalidade do capitalismo, imperialismo e neocolonialismo?”

Sem qualquer dúvida, foram-nos ditas coisas horríveis sobre o Comunismo, especialmente se se vive no Ocidente ou num dos países totalmente sob o controlo dos centros do anticomunismo: Washington, Londres ou Paris.

Fomos forçados a ler, repetidas vezes, acerca do “estalinismo”, do massacre da Praça da Paz Celestial e do genocídio dos Khmer Vermelhos. Repetidas vezes foi elaborada uma mistura de meias-verdades, completas invenções e interpretações distorcidas da História mundial.

As probabilidades são de que muito poucos tenham estado na Rússia, China ou Camboja e feito aí alguma investigação séria.

Fomos informados de que o Camboja seria o melhor exemplo de Comunismo selvagem. Porém, nunca se percebeu que Pol Pot e seus extremistas Khmer Vermelhos eram totalmente apoiados pelos Estados Unidos, não pela União Soviética e nunca com entusiasmo pela China. Eles nunca foram realmente “Comunistas” (fiz uma pesquisa detalhada no país, e até os guardas pessoais de Pol Pot me disseram que não tinham ideias acerca do Comunismo e apenas tinham reagido ao monstruoso bombardeio americano nos campos do Camboja e à colaboração do capital com o Ocidente).

Nesse período, a maioria das pessoas morreu em resultado exatamente dos bombardeios cometidos pelos B-52 dos EUA e em resultado da fome. Fome que veio depois de milhões de camponeses se terem deslocado devido à selvajaria do bombardeio e pelos materiais que não haviam explodido, deixados por todo o lado nos campos.

Nunca foi dado conhecimento de que várias sondagens, uma após outra realizadas na Rússia, ainda mostram que a maioria das pessoas gostaria de ter a União Soviética Comunista de volta. E mesmo nos ex-Estados de maioria muçulmana, incluindo o Quirguistão e o Uzbequistão, uma tremenda maioria das pessoas que lá encontrei, recordava o tempo da União Soviética como uma idade de ouro.

E a chamada ocupação soviética do Afeganistão? Trabalhei, filmei e fiz reportagens em três ocasiões, relativamente recentes. Incontáveis pessoas afegãs, indignadas com a continuada ocupação ocidental do seu país, contaram-me histórias, ilustrando o contraste entre sua era socialista, tolerante, progressista e otimista e o horror atual, durante o qual o seu país se afundou ao nível mais baixo da Ásia, de acordo com o PNUD e a OMS. Trabalhei em Cabul, Islamabad, Herat, Bagram; ouvi as mesmas histórias e a mesma nostalgia dos professores, enfermeiras e engenheiros soviéticos.

Inundados pela implacável propaganda ocidental, as pessoas nunca perceberam realmente quão popular é o Partido Comunista da China no seu próprio país e como a ideologia comunista é apoiada no Vietname, Laos e Coreia do Norte.

Se alguém for à sua livraria local na América do Norte, Europa ou mesmo em Hong Kong, para não falar da Austrália, as hipóteses são de que apenas descubra livros escritos por “dissidentes” chineses ou russos anticomunistas, pessoas que vivem de subsídios ocidentais, recebendo inúmeros prémios para que gastem toda a sua energia manchando o Comunismo e glorificando a contra-revolução. Escritores como a ucraniana Svetlana Alexievich, que recebeu o Prémio Nobel de literatura, por cuspir nas sepulturas dos soldados soviéticos que morreram em defesa do socialismo afegão.

Os filmes a que poderia assistir, em canais comerciais, não seriam diferentes dos livros que tinha sido encorajado a ler.

O anticomunismo no Ocidente e nas suas colónias é uma indústria tremenda. É facilmente a maior e mais continuada campanha de propaganda na história do mundo. Suas metástases espalham-se até ao âmago dos próprios países Comunistas e socialistas.

Tudo isto porque os países imperialistas ocidentais sabem perfeitamente que seu império só pode sobreviver se o Comunismo entrar em colapso. Porque a própria essência do Comunismo é a luta perpétua contra o imperialismo.

Slogans falsos, mas muito eficazes, como vírus informáticos (bugs), estão sendo implantados nos cérebros. São repetidos constantemente, às vezes centenas de vezes por dia, sem que ninguém se aperceba: “O Comunismo está morto!”. “Está desatualizado, é aborrecido “. “A China já não é Comunista.” “O Comunismo é cinzento. A vida sob o Comunismo é controlada e monótona”. “As pessoas sob o Comunismo não têm liberdade nem democracia”.

O oposto é a verdade. Construir confiante e entusiasticamente uma sociedade nova e melhor para o povo, é definitivamente mais satisfatório (e “mais divertido”) do que apodrecer na agonia constante do medo, preocupando-se com hipotecas, empréstimos estudantis e emergências médicas. Competindo com os outros, pisando os outros e até arruinando outros seres humanos. Vivendo vidas vazias, tristes e egoístas.

De maneira absurda e paradoxal, a propaganda ocidental acusa constantemente o Comunismo de violência. Mas o Comunismo é o maior adversário do sistema mais violento da Terra: o colonialismo e o imperialismo ocidental. Centenas de milhões de seres humanos desapareceram em seu resultado, ao longo dos séculos. Centenas de culturas avançadas foram arruinadas. Continentes inteiros foram saqueados.

Antes do Comunismo soviético, antes da própria URSS, não havia oposição verdadeira e poderosa ao imperialismo ocidental. O colonialismo e o imperialismo eram um dado adquirido; eles eram “a ordem mundial”.

A União Soviética e a China ajudaram a descolonizar o mundo. Cuba e a Coreia do Norte, dois países Comunistas, lutaram heroicamente e com sucesso e trouxeram a independência para África (algo que o Ocidente nunca esqueceu nem perdoou).

Mas lutar pela liberdade e pelo fim do colonialismo não é violência; é defesa, resistência e luta pela independência.

Como regra, o Comunismo não ataca. Ele defende-se e defende os países que estão sendo brutalizados. Num trabalho futuro abordarei duas “exceções”; e explicarei dois casos que são constantemente mal interpretados pela propaganda da direita: Hungria e Checoslováquia.

Mas voltando à chamada “violência Comunista”. O meu amigo e camarada, o lendário intelectual e professor russo Aleksandr Buzgalin escreveu no seu recente trabalho, “Lenine: Teoria como Prática, Prática como Criatividade” (para assinalar o 150º aniversário do nascimento de Lenin):

“Há um princípio em ação aqui: não é a revolução socialista que provoca violência em massa, mas a contra-revolução burguesa, que começa quando o capital percebe que está perdendo as suas propriedades e o poder. Em resposta à vitória geralmente pacífica e, em muitos casos, legítima da esquerda, o capital desencadeia violência selvagem e bárbara. A esquerda é confrontada com a questão de responder ou não a essa violência. Se acontecer a guerra, a partir daí as leis da guerra aplicam-se, e centenas de milhares são enviados para a morte, para que milhões possam ser vitoriosos. Esta é a lógica da guerra.”

“A revolução foi realizada. Foi vitoriosa. Na perspetiva mais ampla, os vencedores não eram tanto os bolcheviques quanto os sovietes, nos quais a maioria apoiava a posição dos bolcheviques. A revolução foi substancialmente pacífica, prevalecendo quase sem derramamento de sangue. Os combates mais violentos ocorreram em Moscovo, onde os mortos de ambos os lados foram de alguns milhares. Além disso, a imagem era de uma “procissão triunfal do poder soviético” (este destaque nos livros didáticos soviéticos não foi acidental).”

“No inverno de 1917-1918, a relação de forças viu meio milhão de membros da milícia operária, a Guarda Vermelha, colocados frente a algumas dezenas de milhares de membros da Guarda Branca no sul da Rússia. Tudo ficou calmo até a contra-revolução receber grandes somas de dinheiro da Tríplice Aliança (principalmente da Alemanha) e da Entente, e todos esses países imperialistas lançaram agressões contra o jovem poder soviético”.

Esta é uma visão brilhante de Aleksandr Buzgalin. Abordei este tópico em muitas ocasiões, mas nunca de forma tão coerente. E isso aplica-se a inúmeros exemplos, por todo o mundo em que o Ocidente provocou e brutalmente antagonizou países socialistas ou comunistas, depois acusou-os de crueldade e finalmente “libertou-os” em nome da liberdade e da democracia, literalmente violando a vontade de o seu povo. Tudo isso para o imperialismo europeu e norte-americano sobreviver e prosperar.

Vamos relembrar apenas alguns exemplos: URSS, Indonésia 1965, Chile 1973, Bolívia 2019. E a maior tentativa até hoje: desestabilizar e derrubar o sistema chinês de enorme sucesso. Mas existem, é claro, inúmeros outros exemplos em todos os cantos do globo.

Ron Unz, editor da The Unz Review , escreveu num seu relato em ” American Pravda Series “: “A catástrofe de coronavírus será uma reviravolta na guerra biológica?”, recordando quando a China protestou em 1999, contra o bombardeio da NATO à sua embaixada em Belgrado:

“Quando considerei que o governo chinês ainda estava teimosamente a negar o massacre dos estudantes em protesto na Praça Tiananmen uma década antes, concluí que era de esperar tal comportamento irracional por funcionários da RPC” (….)

“Tais eram os meus pensamentos sobre o assunto há mais de duas décadas. Mas nos anos que se seguiram, a minha compreensão do mundo e de muitos eventos cruciais da História moderna sofreu transformações abrangentes que descrevi na minha série “American Pravda”. Algumas das minhas suposições dos anos 90 estavam entre elas”.

“Considere-se, por exemplo, o Massacre da Praça da Paz Celestial que no dia 4 de junho ainda é evocado numa onda anual de duras condenações, nas páginas de notícias e opiniões de nossos principais jornais. Eu nunca duvidei desses factos, mas há um ano ou dois encontrei um pequeno artigo do jornalista Jay Matthews intitulado “O Mito de Tiananmen” que inverteu completamente essa aparente realidade”.

“Segundo Matthews, o infame massacre aparentemente nunca aconteceu, foi apenas um artifício dos mídia, produzido por repórteres ocidentais embaraçados e propaganda desonesta, uma crença equivocada que rapidamente foi incorporada nas histórias dos mídia, repetida sem cessar por tantos jornalistas ignorantes que acabaram por acreditar que fosse verdade. Em vez disso, o mais próximo possível de ser determinado, foi que todos os estudantes que protestavam deixaram a Praça da Paz Celestial pacificamente, exatamente como o governo chinês sempre manteve. De facto, importantes jornais como o New York Times e o Washington Post ocasionalmente reconheceram esses factos ao longo dos anos, mas geralmente enterraram essas escassas admissões tão profundamente que poucos notaram. Enquanto isso, a maior parte dos mídia convencionais caíram numa evidente fraude”.

“O próprio Matthews tinha sido chefe da delegação em Pequim do Washington Post, cobrindo pessoalmente os protestos na época. O seu artigo apareceu na Columbia Journalism Review, a publicação de maior prestígio quanto a críticas aos mídia”.

Além disto, o que os grandes mídia ocidentais descreviam como um grupo de “combatentes da liberdade” e “movimento pró-democracia” tinha um número substancial de radicais nas suas fileiras, até mesmo racistas, que protestavam contra a presença de negros nas universidades chinesas. Exigiram a proibição dos seus relacionamentos com mulheres chinesas. Foram totalmente apoiados e, pelo menos, parcialmente financiados pelo Ocidente, simplesmente devido ao seu anticomunismo selvagem, agressivo e fundamentalista.

O governo chinês não quer mais tocar neste assunto. Acha que, perante a propaganda maciça do Ocidente, não é possível entender a História. Em resumo, no Ocidente perdeu-se o conteúdo das narrativas.

(continua)

[*] Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação, tendo coberto guerras e conflitos em dezenas de países. É o criador de Vltchek’s World in Word and Images . Alguns dos seus livros: China’s Belt and Road Initiative: Connecting Countries Saving Millions of Lives . Escreve regularmente para “New Eastern Outlook“.

O original encontra-se em journal-neo.org/…

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

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