Relatório final da comissão indicia Bolsonaro por 10 crimes. “O que motivou essa comissão foi a produção do mal em grande escala, a banalização do mal como no nazismo”, afirmou Randolfe Rodrigues
São Paulo – Com sete votos a favor e quatro contrários, e com um minuto de silêncio, a CPI da Covid foi encerrada nesta terça (26), com a aprovação do seu relatório final, a cargo do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que indicia um total de 80 pessoas. O presidente Jair Bolsonaro assume o protagonismo, com 10 crimes. Os trabalhos foram abertos ainda pela manhã, com senadores da base governista apresentando suas divergências e votos em separado. Na sequência, Renan leu o documento para, em seguida, a mesa abrir para as falas dos inscritos.
Entre os crimes de Bolsonaro estão diferentes ataques a medidas sanitárias preventivas: o presidente se negou a utilizar máscaras e chegou a tirar a proteção de uma criança em um evento promovido para sua promoção pessoal. Bolsonaro também consta como autor de crime de epidemia com resultado de morte, já que omitiu-se de enfrentar a pandemia. Além disso, deixou de responder a várias oferta de vacinas para a população e boicotou medidas de proteção aos brasileiros como isolamento social.
Bolsonaro também é acusado no relatório da CPI da Covid de charlatanismo por propagandear, inclusive em pronunciamento em rede nacional, medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid. Fármacos, como a cloroquina e a ivermectina, inclusive relacionados a casos de intoxicação grave e complicações cardíacas. O presidente também teria incitado ao crime, por estimular e promover aglomerações, além de desestimular a vacinação, com a disseminação de mentiras. Entre elas, Bolsonaro chegou a dizer que vacinas transformariam pessoas em jacaré. Mais recentemente, também ligou a imunização a risco de se contrair Aids.
Mais crimes
Os crimes que completam a lista de indiciamentos de Bolsonaro são: falsificação de documento particular, cometido quando o presidente citou um suposto estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) para afirmar que “metade das mortes notificadas não seriam de covid”. Além dele, o emprego irregular de verbas e laboratórios públicos no estímulo da produção de cloroquina. Destaque ainda para a prevaricação, que teria ocorrido em duas situações: a omissão diante do colapso do sistema de saúde no Amazonas e também quando recebeu denúncias de corrupção no Ministério da Saúde no caso da compra da vacina indiana Covaxin. Fecham as denúncias os crimes contra a humanidade, por extermínio, perseguição e atos desumanos e os crimes de responsabilidade> por violação de direito social e por atos incompatíveis com a dignidade, honra e decoro do cargo.
Também foram indiciados um senador – Flávio Bolsonaro – e cinco deputados da base do governo.
O balanço da CPI da Covid
O senador membro da CPI Rogério Carvalho (PT-SE) avaliou como positiva a conclusão dos trabalhos. “Foram 60 depoimentos e conseguimos captar e passar para a sociedade o que estava acontecendo. A realidade da condução da CPI e também a condução da pandemia pelo governo federal. Os indiciamentos têm relação com a postura adotada por apoiadores do governo, por membros oficiais do governo, por agentes públicos que seguiam ordens da presidência e o primeiro escalão do governo Bolsonaro. Os indiciados e os enquadramentos guardam precisão com os fatos identificados”, disse.
Carvalho avaliou que a CPI “deixa para a história não uma narrativa descolada dos fatos, mas uma narrativa embasada em fatos reais e comprovado pela fala de quem protagonizou a ampliação do contágio que levou a mais de 600 mil mortos. Poderiam ter sido evitadas 400 mil mortes. Também foram indiciados parlamentares que contribuíram com a incitação à violência, que distribuíram notícias falsas. Em saúde pública, o que forma o comportamento da sociedade é como você passa a informação. Passar informação correta significa menos risco. Quando uma pessoa se comporta de uma forma a gerar risco pra ela, ela gera risco para toda a sociedade”.
Já o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), lamentou o ódio imposto pela ideologia bolsonarista, que resultou na condução lamentável da pandemia. “Dividiram nosso país. Quem queria vida era ‘desonesto’. Quem queria fazer com que o povo acreditasse em mentiras era ‘quem prestava’. Queríamos salvar pessoas. A CPI conseguiu mostrar ao Brasil que é possível minorias se unirem e se tornarem maioria (…) O que me indignava era a intolerância, era ver o desrespeito pelas vidas se perdendo (…) Não houve uma palavra de acalento para mais de 600 mil vidas perdidas que veio pelo presidente. Isso já revela tudo. Ficamos indignados com a falta de coração. O acalanto do presidente era a mentira, era fazer motociata”.
Distopia
Por sua vez, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) classificou a condução da pandemia como distópica. “Na distopia bolsonarista, todo mundo está equivocado: todos os governantes do mundo decidiram deixar morrer seus compatriotas e enfraquecer suas economias, porque se recusaram a aceitar remédios milagrosos que só seguidores fanáticos “iluminados” pelo bolsonarismo encontram. Enquanto no Brasil se retardava a compra de vacinas a pretextos ideológicos, ao redor do mundo se fazia uma corrida por vacinas”.
Em seu discurso, o relator Renan Calheiros foi duro sobre Bolsonaro e a condução da pandemia. “Esse período será lembrado como o maior retrocesso civilizatório da nossa história. Não esqueceremos estes absurdos. O caos do governo Jair Bolsonaro entrará para a história como o mais baixo degrau da indigência humana e civilizatória. Reúne o que há de mais rudimentar, infame e sombrio da humanidade. Sabotou a ciência. Arrogante, autoritário, com índole golpista. Belicoso, mentiroso. E agiu como missionário enlouquecido. Este relator está convencido de que há um homicida no Palácio do Planalto”.
Outros senadores endossaram as acusações. “Esse governo que sepultou tanta gente, que sepultemos agora. Esse governo não tem mais credibilidade moral para aprovar qualquer matéria”, disse Jean Paul Prates (PT-RN). A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), cobrou punição a Bolsonaro. “Como não punir um presidente que usou dinheiro público para comprar medicamento que não funciona? Como não punir presidente que fez propaganda deste medicamento, levando o povo à ilusão de que se tomassem não adoeceriam. Um presidente que despreza e mente sobre a forma mais efetiva de combater a pandemia, que são as vacinas. Como não punir um presidente que continua mentindo. Um presidente que seu negacionismo levou a mortes evitáveis no país. Ele chegou a fazer mímica imitando falta de ar que matou tantos brasileiros. Uma política da morte”.
Pós pandemia
Já perto do final dos trabalho do dia, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez alguns prognósticos para que os absurdos não se repitam. “O pós pandemia não pode ser alimentado pela ganância de oligopólios que buscaram lucrar de forma corrupta. Não pode ser disseminador da ignorância, de ridículas teorias da conspiração que custaram a vida de milhares de brasileiros. Se reagirmos – com o que vivemos nesta pandemia – com ódio, ganância, ignorância, não teremos aprendido nada.
“Ao contrário, podemos gerar a compaixão, generosidade. Podemos optar por acreditar na ciência. Essa comissão colocou a ciência em seu altar devido há pelo menos dois séculos. O pós pandemia pode ser pautado pela generosidade. Podemos optar por cooperar ao invés de competir. Podemos nos pautar em compartilhar ao invés de acumular. Essa comissão provou que podemos optar pela compaixão e pela sabedoria. Se isso assim for, teremos aprendido. E com isso poderemos fazer um país melhor”, completou.
Ecos da CPI da Covid
Neste dia final da CPI da Covid, o grupo Alerta, formado por sete organizações da sociedade civil, divulgou um comunicado sobre a conclusão dos trabalhos. “Esperamos que as constatações apresentadas durante a CPI sejam investigadas e que os encaminhamentos sejam levados a sério, para que os erros graves cometidos não sejam repetidos”, aponta a nota.
Assinam o documento a Anistia Internacional Brasil, o Centro Santo Dias de Direitos Humanos de Arquidiocese de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Oxfam Brasil e Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC).
Avisos
As organizações lembram que não faltaram alertas sobre o caminho de crimes e descaso do governo Bolsonaro, que levou ao agravamento da pandemia. “Instamos as autoridades brasileiras a corrigir rumos nos primeiros meses de pandemia. Centenas de outras organizações se juntaram a nós naquele momento. O grupo também foi responsável pelo estudo apresentado à CPI, que estimou o número de 120 mil mortes evitáveis no primeiro ano da pandemia (de março de 2020 a março de 2021)”, apontam.
Os dados do grupo foram apresentados à CPI no dia 24 de junho deste ano pela médica e diretora-executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck. “O estudo indicava que cerca de 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas no primeiro ano de pandemia no Brasil se o país tivesse adotado, de maneira mais firme e ampla, medidas não farmacológicas de proteção contra a covid-19. Como distanciamento social; uso de máscaras; restrição a aglomerações e fechamento de escolas e do comércio; e ações de vigilância epidemiológica e de controle da pandemia, como a testagem em massa”.
Por fim, as organizações reafirmam a necessidade de reparação para essas vítimas do Estado conduzido por Bolsonaro. “Precisamos garantir a reparação para todas as vítimas e seus familiares. Também a adoção de políticas de proteção social capazes de mitigar os impactos deixados pela pandemia. A responsabilização de todas e todos cuja ação, ou omissão, contribuiu para tantas mortes evitáveis é urgente e fundamental para que o país vire a página, aprenda com as lições e possa se preparar para os desafios futuros”.
Fonte: RBA
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