“Para atual governo, o inimigo é o professor”, diz ex-colega do ministro da Educação

Em entrevista ao BdF, o professor de economia da Unifesp, Daniel Feldmann, critica a lógica da universidade-empresa

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Para professor, política educacional é guiada pelo privatismo e pelo obscurantismo / Pedro Aguiar

Daniel Feldmann é professor do departamento de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Associação dos Docentes da mesma instituição (Adunifesp). Ele comentou os cortes na educação federal promovidos por um antigo colega de cátedra, o atual ministro da educação e ex-professor da Unifesp, Abraham Weintraub.

Para Feldmann, a política educacional do atual governo é guiada por duas lógicas complementares: o privatismo e o obscurantismo. Na sua opinião, são essas as ideias que guiam o corte – em alguns casos já efetuado – de 30% dos orçamentos de institutos e universidades federais brasileiras.

O professor e representante sindical critica também o discurso da neutralidade e da técnica dentro das instituições de ensino que, segundo ele, serve para mascarar um projeto político de destruição do pensamento crítico. Confira:

Daniel, comente os cortes efetuados pelo governo federal e o panorama geral das políticas educacionais a nível federal.

Daniel Feldmann: O governo federal e o ministério da educação estão decretando uma guerra contra o conhecimento, contra a universidade, contra a liberdade intelectual e de pensamento. Qualquer atividade acadêmica envolve posição. Não existe neutralidade na universidade. Existe pluralidade, diferentes posições que se confrontam e é assim que se forma conhecimento e produz ciência.

O próprio ministro, enquanto professor da Unifesp, fazia parte da campanha de Bolsonaro. Dizer que os outros têm posição política e ele não é um absurdo completo. [Seguindo] a própria lógica do ministro, ele deveria ser punido por participar de atividades políticas.

O que mais nos espanta é que a gente sabe que o ministro, que foi nosso colega, já foi convidado e participou de mesas onde pôde expressar sua posição sobre a Reforma da Previdência junto com Fernando Haddad, por exemplo. Nós mesmos, da Associação, convidamos e estamos esperando até hoje que o ministro venha fazer com a gente um debate sobre a visão dele de país. O ministro fugiu do debate.

Essa história de perseguição política é uma falácia absoluta, para criar um clima de caça às bruxas, para intimidar professores, para jogar professores contra alunos. É uma política para criar medo, para criar constrangimento, que vem junto de um discurso técnico que no fundo é privatista.

A gente vive um momento na sociedade brasileira em que se busca evitar ao máximo a discussão política. A única forma de reverter essa situação de falta de perspectiva, de obscurantismo, é que a gente possa, de forma livre, discutir quais são as alternativas para o Brasil e o mundo, contra esse autoritarismo que está em curso.

As universidades são alguns dos últimos locais onde é possível pensar, divergir e produzir conhecimento. Esse ataque à atividade intelectual, ao pensamento, é para construir uma lógica autoritária, privatista, aonde o mercado resolve tudo. Somada essa ideia de que a sociedade deve funcionar na base da violência

Como vocês têm sentido os efeitos dessa agenda privatizante? Já viam indícios de que esses cortes iam se efetivar?

Os cortes já vêm de períodos anteriores, mas o que a gente não esperava era esse corte abrupto de 30%. Mas [esse governo], de cara, faz uma chantagem: você corta gastos e diz que isso só pode, eventualmente, ser revertido caso exista Reforma da Previdência. A universidade não pode ficar à mercê dos caprichos dos governantes e das chantagens do governo.

Você não pode compreender uma universidade como uma empresa privada, que é o pensamento no MEC hoje. Em um negócio privado, se a empresa tem lucro, ela vai investir mais, se não tem lucro, vai investir menos.

A universidade produz conhecimento, [têm] grupos de pesquisa, laboratório, precisa de bolsas de graduação, e, se você não tem essas atividades funcionando de forma perene, o desperdício que isso acarreta não tem preço. [Se] parar a pesquisa de um determinado grupo, faltar material para um laboratório que está efetuando determinada investigação, os efeitos disso são desastrosos e não podem ser medidos em termos monetários.

Eu trabalhei quinze anos em universidade privada, não existe pesquisa. Por conta da lógica que impera, eles encaram o aluno simplesmente como um cliente que está comprando um diploma. Não há espaço para produção de conhecimento e pesquisa.

Esse discurso de uma universidade técnica é uma grande falácia. A técnica não é neutra, é política. E a técnica é a política do nosso tempo: a dominação pela técnica, a dominação dos meios, o produtivismo por si só, sem discutir os fins.

É por isso que a universidade pública está sob ataque, porque ela é um dos poucos espaços que ainda pode discutir, de forma relativamente autônoma, as questões de fundo, as finalidades do conhecimento e as finalidades da nossa sociedade.

Quais são as mobilizações que vêm sendo chamadas por vocês? Os professores têm se juntado para combater esses retrocessos? 

Dia 15 é um dia nacional de luta e paralisação da educação. Na nossa universidade estão acontecendo assembleias, vários campi já decretaram paralisação de funcionários e estudantes.

Nós estamos unificados com todo o setor da educação porque a gente percebe que hoje no Brasil, junto com os cortes e a Reforma da Previdência, com o discurso de caça às bruxas, busca-se criar um clima de que o professor é inimigo do país.

Para o atual governo, o inimigo não é a milícia criminosa, não é o empresário corrupto, o sonegador de imposto, mas o professor. A gente não aceita isso. Nós somos trabalhadores da educação, exigimos respeito, aceitamos debater quaisquer temas, [estamos] abertos para ouvir a sociedade. O que não aceitamos é a imposição de uma lógica de destruição da universidade e um clima de inquisição que vem no bojo do governo Bolsonaro.

Do Brasil de Fato

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