Em entrevista, o epidemiologista Pedro Rodrigues Curi Hallal afirma que “se houve um processo contra mim, isso significa que as minhas críticas estão incomodando”
Por Alice Maciel
Crítico contumaz da condução do Governo Federal diante da pandemia de Covid-19 que já matou mais de 255 mil pessoas no Brasil, o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o epidemiologista Pedro Rodrigues Curi Hallal, e seu colega Eraldo dos Santos Pinheiro, foram alvos de um processo na Controladoria-Geral da União (CGU) por terem se posicionado contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Para Hallal – que coordena a pesquisa Epicovid, referência no mapeamento do avanço da doença em todo o país – existe uma campanha orquestrada para silenciá-lo. “Não vai dar certo porque eu vou continuar emitindo sempre minha opinião científica sobre os assuntos”, afirmou em entrevista à Agência Pública.
“Tenho sido, se não ‘o’, um dos pesquisadores do Brasil mais críticos em relação à condução da pandemia pelo Governo Federal. E obviamente que nem todas as pessoas que criticam o presidente são processadas. Se houve um processo contra mim, isso significa que as minhas críticas estão incomodando”, destacou.
As manifestações contra o presidente que motivaram os processos na CGU ocorreram em uma transmissão ao vivo no dia 07 de janeiro, para discutir a nomeação para o cargo de reitor da universidade para a gestão 2021-2024. Na ocasião, Hallal fez duras críticas a Jair Bolsonaro e ressaltou que ele “tentou dar um golpe na comunidade [acadêmica]” ao escolher o segundo nome mais votado da lista tríplice, Isabela Fernandes Andrade – ela posteriormente decidiu dividir o cargo com o mais votado.
O processo na CGU contra os docentes foi motivado por uma representação do deputado federal bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), que usou suas redes sociais para atacá-los.
Com objetivo de encerrar o procedimento, os professores optaram por assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), publicados ontem no Diário Oficial da União.
Nele, a CGU diz que Pedro Hallal proferiu “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República, quando se pronunciava como reitor da UFPel”. O órgão entendeu que ele estava em “local de trabalho”, uma vez que a live foi transmitida nos canais oficiais do Youtube e do Facebook da instituição.
O ato é baseado no artigo 117, V, da lei 8.112 que proíbe funcionários públicos de “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”.
Hallal contou que teve que se comprometer a não infringir o artigo pelos próximos dois anos.
O que motivou o processo na CGU?
O que motivou na verdade, quem tem que julgar são vocês, os leitores ou os ouvintes. Obviamente, que eu como pesquisador não acredito em coincidências. Tenho sido, se não “o”, um dos pesquisadores do Brasil mais críticos em relação à condução da pandemia pelo Governo Federal. E obviamente que nem todas as pessoas que criticam o presidente são processadas. Se houve um processo contra mim, isso significa que as minhas críticas estão incomodando.
Mas na prática, o que aconteceu foi o seguinte. Quando o presidente não nomeou o primeiro colocado na lista tríplice da UFPel, como ele já o fez em outras universidades – em 19 outras ele já tinha feito a mesma coisa – nós realizamos uma live, eu era o reitor na época, para informar para a nossa comunidade e discutir como nós procederíamos em relação a essa não nomeação do primeiro colocado da lista. E nessa live, eu fiz uma fala de uns 14 minutos que foi bastante crítica ao presidente. Um deputado gaúcho chamado Alcíbio Nunes começou a ameaçar em várias publicações, na mídia, em vários canais e no seu próprio canal, de que ele iria me processar, que é uma vergonha para o serviço público, que eu seria demitido e coisas desse tipo. E aí, ele mandou o processo e a CGU analisou o processo.
E qual foi o posicionamento da CGU?
A CGU imediatamente descartou qualquer falta funcional grave que poderia ser já pena de suspensão ou demissão, e o que o relatório da CGU diz em tese é que a única infração que poderia ser investigada era essa de desapreço. Já que é uma infração de baixo potencial ofensivo, existem duas possibilidades: ou eles seguem com o processo e no final eu sou ouvido ou punido com advertência; ou eu assino um termo de ajustamento de conduta, sem reconhecimento de culpa e que arquiva imediatamente o processo.
Eu conversei com meus advogados – foi umas três semanas atrás – e achei que o melhor foi isso, porque não tem reconhecimento de culpa, arquiva-se o processo e imediatamente eles são impedidos de me investigar novamente pelo mesmo assunto. E é um assunto isolado, ou seja, a tentativa de me censurar, a tentativa de me demitir que o tal do deputado clamou de que faria não funcionou e o processo foi arquivado.
Você acha que essa atitude do deputado foi uma tentativa de censura?
Deixo para os leitores julgarem se é tentativa de censura ou não. Mas não acredito em coincidência.
Você se sente perseguido pelo Governo Federal?
O presidente já tuitou diretamente contra mim. Então assim, é uma série de… Pra quem acredita em coincidência, é uma série de coincidências. Pra quem como eu foi treinado para não acreditar em coincidência como pesquisador, a gente nota que é uma campanha orquestrada e que não vai dar certo porque eu vou continuar emitindo sempre minha opinião científica sobre os assuntos. Três de quatro pessoas que morreram até hoje no Brasil de covid não deveriam ter morrido, se o governo não tivesse cometido tantos erros. E obviamente, tenho que manter a minha posição científica. Não vou mudar minha posição científica por causa desse processo, ou de qualquer outro.
Você também se sente pressionado dentro da universidade?
São ameaças nas redes sociais, algumas delas, inclusive, estão sendo investigadas pela Polícia Federal. É um extremismo radical que infelizmente aflorou novamente no país. Então, sobre isso eu deixo que os leitores, as pessoas, façam o seu julgamento, mas tenho curiosidade para saber se todos os servidores públicos que criticarem o presidente a partir de agora começarão a ser processados. Já houve época no país que isso acontecia.
Os professores têm se unido para combater esses retrocessos?
Sim, estamos unidos e atentos aos ataques contra a educação e contra a democracia.
Tem outro professor, o professor Eraldo, a situação é parecida com a sua. Além de vocês dois, algum outro professor passou por situação parecida?
Não.
Fonte: Agência Pública