Quando a história chega a ser escabrosa

Somos governados por pessoas desprezíveis que transformaram a política numa teia de mentiras, viciou a democracia, joga com as vidas das pessoas como se nada valessem e, quando os “interesses” desligarem, não hesite em cultivar guerras criminosas

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“A OTAN não se moverá uma polegada para Leste”

(Promessa dos dirigentes ocidentais a Gorbatchev em troca da liquidação da União Soviética)

A promessa é mais do que conhecida. Foi declarada e repetida, em diversas estatísticas, no início dos anos noventa do século passado, ao então presidente soviético, Mikhail Gorbatchev, pelos dirigentes dos mais importantes países da Aliança Atlântica: o secretário de Estado norte-americano, James Baker; o chanceler alemão, Helmut Kohl; o presidente francês, François Mitterrand; o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Hans Dietrich Genscher; o primeiro ministro britânico, John Major; o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Douglas Hurd. eventualmente, outros mais.

Está abundantemente confirmado, hoje em dia, que essa promessa feita por honrados políticos, modelos da democracia liberal e do “nosso modo civilizado de vida”, sem falar dos direitos humanos e da inquestionável superioridade moral, nada resta. Foi feito em pó, espezinhada, abatida a tiro e depositada sobre centenas de milhares ou mesmo milhões de cadáveres humanos, resultantes de uma nova ordem mundial à margem do direito internacional, fundada nesses tempos sobre os escombros da guerra fria e do muro de Berlim. Uma situação trágica, revoltante, tonada possível porque essas palavras não valeram nada, transformadas num vazio equivalente à honra e ao respeito à palavra dada dos dirigentes de Washington e de uma “nova Europa” colonizada pelos Estados Unidos da América, ontem como hoje. Há coisas que não mudam, porque foram estruturadas para serem assim com base na força militar, nos poderes oligárquicos, na chantagem, no desprezo pelas pessoas, na sucessão de chefes políticos formados na submissão às oligarquias econômicas e financeiras e no exercício do controle autoritário sobre os mais fracos – os seus povos, em especial as camadas mais desfavorecidas. Para isso, tornaram-se praticantes convictos da mentira, da manipulação, da falsificação da democracia, tecendo classes humanas, políticas mentalmente deformadas e nas quais abundam os traços de sociopatia.

Uma casta doente

Diz-se que a promessa não ficou escrita, pelo menos procure convencer-nos dessa suposta insuficiência diplomática. Demonstraremos a seguir que não é bem assim.

Para os opinantes que se multiplicam como cogumelos, sobretudo desde que a Academia se transformou num eco e num servidora da corrente de opinião uniformizada, com perseguição do contraditório como estipula a doutrina única do neoliberalismo-neoconservadorismo, essa omissão parece ser um problema inultrapassável. Se não está escrito, não existe. Apertos de mão, acordos de cavaleiros, seriedade da palavra dada são comportamentos anacrônicos, não é apenas no futebol que uma verdade de hoje pode deixar de ser-lo amanhã.

Mark Kremer, diretor de Estudos da Guerra Fria da Universidade norte-americana de Harvard, escreveu na revista “Washington Quaterly” de abril de 2009 que “não foi feita qualquer promessa sobre um alargamento da OTAN porque não havia nenhum documento escrito assinado entre os dois lados, incorporando-a”. Mais diz Kremer: “os materiais desclassificados mostram inequivocamente que tal promessa não foi feita. Podem ser apresentados argumentos válidos contra o alargamento da OTAN, mas este argumento específico é espúrio”.

Para apurarmos a seriedade do “estudo” basta ler que, segundo o mesmo Mark Kremer, “em 7 de Fevereiro de 1990, o secretário de Estado dos EUA, James Baker, reuniu-se em Moscou com o ministro dos Negócios Estrangeiros Soviéticos, Eduard Chevardnaze, usando  a formulação do [ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Ocidental, Hans Dietrich]  Genscher, de que se a Alemanha (unificada) fosse incluída na OTAN os Estados Unidos e os seus aliados garantiriam ‘que a jurisdição ou as forças da OTAN não se moveriam para o leste”.

Ou seja, segundo este “historiador” da Ivi League, a promessa existe e, ao mesmo tempo, não existe. O problema, segundo ele, é que Mikhail Gorbatchev foi “ingênuo” e “otimista”, dispondo-se a fazer o que os chefes da OTAN exigiram para ter em troca a garantia de que a OTAN ficaria no mesmo sítio (anexando apenas a República Democrática Alemã) sem que o negócio fique escrito. Ao que consta, o próprio Chevardnaze aconselhou Gorbatchev a não se contentar com as promessas verbais, provavelmente por não confiar tanto nos interlocutores e tendo ainda em conta a envergadura histórica, social e geoestratégica das exigências impostas ao dirigente soviético.

De acordo com os documentos sobre o assunto que vieram a ser desclassificados, uma tarefa imposta a Gorbatchev para garantir a imobilidade da Aliança Atlântica foi de montagem: a extinção da União Soviética, a erradicação do socialismo, a instauração de uma “democracia ocidental”, a unificação da Alemanha e respectiva integração no clube atlantista, o desmantelamento do Tratado de Varsóvia.

A realidade em que vivemos demonstra que o último presidente soviético, ao mesmo tempo chefe da comissão liquidatária do seu país, cumpriu zelosamente a tarefa, enquanto os seus interlocutores procederam como nada se fez aqui ou prometido. O que não surpreende quando o que estava em construção era a “ordem internacional baseada em regras”, a principal das quais é a de que vale tudo, incluindo a chacina de seres humanos por atacado, desde que estejam em causa, seja em que lugar do mundo para, os “interesses” coloniais e imperiais dos Estados Unidos, da OTAN e, por arrastamento, da União Europeia. Novos ventos fazem hoje oscilar essa estrutura, apesar de sustentados por raízes profundas que vêm até a Idade Média, mas ainda são tortuosos, e assustadores, os caminhos para uma nova realidade capaz de restaurar o primado do direito internacional.

“Engenhosidade” ou “otimismo” de Gorbatchev? A procura de uma resposta levar-nos-ia noutra direção que não a deste texto. Registramos apenas o fato de não ser segredo que o dirigente soviético revelou uma admiração invulgar, e até um orgulho provinciano deslumbrado, por conviver com a nata do Ocidente; isto é, personalidades tão recomendáveis ​​como os presidentes norte-americanos Ronald Reagan e George Bush (pai), os primeiros-ministros britânicos Margaret Thatcher e John Major, os chefes da OTAN e da União Europeia e até o Papa João Paulo II, que conspiraram sem disfarçar pela mudança de regime no seu país natal, a Polônia, e pelo fim do socialismo enquanto visitava o sanguinário Pinochet e se alinhava com a poderosa vaga neoliberal. Cujas consequências hoje são muito bem.

Também é significativo, para tentar aprofundar o papel verdeiro histórico de Gorbatchev, que o presidente soviético não tenha, em algum momento, tentado negociar a dissolução lógica simultânea dos dois blocos militares: OTAN e Tratado de Varsóvia. Seria o caminho natural para encerrar a guerra fria uma vez que, como se repetia, deixasse de haver antagonismos ideológicos e militares dos dois lados da, fornecida demolida, cortina de ferro.

Nas andanças de cimeira em cimeira com interlocutores tão empáticos, Mikhail Gorbatchev repetia, como um chavão, uma frase através da qual pretendia fazer crer que se guiava pelos interesses do seu país e dos seus povos: “confia mas verifica”. O certo é que confiou, mas esqueceu-se de verificar. E, num ápice, os países membros do Tratado de Varsóvia transferiram-se para a OTAN, juntando-se-lhes, pouco depois, os restos do sangrento esfacelamento dos Balcãs montado à moda atlantista. A Aliança Atlântica cavalgou assim para as fronteiras da Rússia anexando países emergentes dos escombros da União Soviética. Até à tragédia da Ucrânia, cozinhada em Washington com os temperos inconfundíveis da OTAN, que nos coloca à beira de uma hecatombe inimaginável.

Padrão inequívoco mafioso

E, no entanto, a promessa de que a OTAN não se moveria “uma polegada para leste” existe mesmo. Se houvesse dúvidas, documentos recentemente desclassificados e outros na altura deixados ao alcance de várias instituições políticas confirmaram as garantias dadas pelos nobres representantes do Ocidente ao “crédulo” Gorbatchev. Trata-se de testemunhos escritos por várias personalidades que acompanharam o processo aqui do “fim da guerra fria” e tomaram conhecimento direto das promessas feitas a Moscou, fazendo assim cair pela base as teorias de que a palavra dada só é válida quando escrita no silêncio do papel ou de qualquer suporte informático.

A Câmara dos Lordes britânica está depositada desde Fevereiro de 2015 – significativamente em pleno desenvolvimento da crise da Ucrânia gerada pelo golpe neoliberal-nazi – um documento de Rodric Braithwhite, antigo embaixador na União Soviética e na Rússia, no qual confirma “as garantias (a Moscou) que foram dadas em 1990 pelos Estados Unidos (James Baker, secretário de Estado) e pela Alemanha (Helmut Kohl, chanceler alemão), e em 1991 em nome do Reino Unido (pelo então primeiro-ministro, John Major, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Douglas Hurd) e da França (pelo presidente François Mitterrand)”. Ainda de acordo com o texto de Braithwhite, “este registo factual não foi contestado com sucesso no Ocidente”.

Em agosto de 2009, o antigo senador por Nova Jersey Bill Bradley, que foi candidato pelos democratas à corrida presidencial de 2000, escreveu na revista “Foreign Policy” que, “quando falei com Baker, ele que disse a Gorbatchev que se a União A União Soviética permitiu a reunificação da Alemanha e a sua adesão à OTAN, o Ocidente não expandiria a aliança ‘um centímetro para o Leste’”.

Uma palavra agora para Lawrence Wilkerson, coronel da reserva, político republicano, ex-chefe de gabinete do secretário de Estado Collin Powell. Numa entrevista à “Real News Network” em 3 de Outubro de 2014 – igualmente quando se sentiram os primeiros efeitos do golpe ucraniano – afirmou: “Eu estava lá quando dissemos aos russos que íamos intimidar os membros (da OTAN); primeiro seriam observadores e depois membros”.

Na realidade, em plena época de encantamento manifestado durante os contatos com os principais dirigentes ocidentais, Mikhail Gorbatchev solicitou a adesão da URSS à Aliança Atlântica, uma vez que, como se dizia e repetia à boca cheia, os conflitos ideológicos e militares tinham sido ultrapassados . Foi o secretário de Estado James Baker, significativamente agora dedicado à “ecologia”, que deu água na fervura declarando que “a segurança pan-europeia é um sonho”.

Mary Elise Sarotte, historiadora, membro influente do Conselho de Relações Externas e titular de cargos destacados nas Universidades Johns Hopkins e Harvard, onde preside o Gabinete de Estudos Europeus, testemunhou que, no início de 1990, “Kohl (o chanceler alemão) garantiu a Gorbatchev que ‘naturalmente a OTAN não poderia expandir o seu território para o território da Alemanha Oriental’”. Acrescentou que, “em conversas paralelas, Genscher (ministro alemão dos Negócios Estrangeiros) transmitiu a mesma mensagem ao seu homólogo soviético, Eduard Chevardnaze, dizendo:’para nós, mantém-se firme: a OTAN não se expandirá para Leste’”. Duas publicações de Mary Elise Sarotte foram consideradas “livros do ano” por “The Economist” e “Wall Street Journal”.

“Pro diabo com a promessa!…”

Os testemunhos aqui deixados são conclusivos: os principais dirigentes ocidentais prometeram aos últimos dirigentes soviéticos que a OTAN continuaria a existir mas sem expandir o seu território, pelo menos “para Leste”.

Mais de trinta anos passados, vivendo a situação aterradora de hoje e rememorando a maneira como aqui chegámos, percebemos quanto vale a palavra dada pelos dirigentes ocidentais.

Há dois documentos, porém, que são absolutamente explícitos e ilustrativos como podem ser escabrosos como metodologias do regime ocidental dominante nas suas versões de duas ou mais caras, em privado ou em público, verbalmente ou por escrito, oficialmente ou em segredo. Torna-se inequívoco o padrão mafioso desses comportamentos.

Os documentos são as transcrições oficiais norte-americanas e alemãs, mencionadas também pela historiadora Mary Elise Sarotte, do encontro entre o presidente norte-americano George HWBush e o chanceler alemão Helmut Kohl na noite de 24 de fevereiro de 1990 em Camp David.

Quando o dirigente alemão bordou o compromisso de um reforço da OTAN com Moscou, a resposta de Bush (pai) foi histórica no pior sentido que o adjetivo possa ter: “P’ró diabo com isso! Fomos nós que vencemos, não foram eles!”.

Desde então nunca mais se ouviu falar oficialmente da promessa sobre o congelamento territorial da OTAN. A mensagem inequívoca do presidente dos Estados Unidos, o verdadeiro comandante-em-chefe da aliança, foi certamente transmitida por Kohl a todos os aliados, na verdade súbditos.

Precavendo a possibilidade de haver alguma dissonância entre Berlim e Paris, uma vez que Mitterrand tinha um peso que tornava irrelevantes figuras como Macrons, Scholzs e Hollandes, Bush invejou um telegrama confidencial para o Eliseu informando que a OTAN continuaria a ser a organização da segurança europeia e não qualquer outra entidade pan-europeia do género Comunidade Económica Europeia, União Europeia, Exército Europeu.

O império definiu o futuro imediatamente – e o prazo indeterminado – do mundo e, sobretudo, do continente europeu, ditado pela mudança fascizante entre a ortodoxia econômica neoliberal e a teoria política e social neoconservadora que assume o poder no complexo militar, industrial e tecnológico dos Estados Unidos durante os consulados de Reagan (anos oitenta) – dissolvendo as já tênues fronteiras que ainda poderiam separar democratas e republicanos. Institucionalizando, em suma, o partido único.

William Clinton e Hillary Clinton iriam chegar a seguir para a demonstração. Registramos, apenas de passagem, as carnificinas na ex-Jugoslávia, na Líbia e na Síria e os papéis nelas representados por cada um dos membros do casal.

A OTAN desestabilizou primeiro e avançou depois para os Balcãs – os resultados estão à vista – e, um após outro, e alguns simultaneamente, a esmagadora maioria dos países do Tratado de Varsóvia, particularmente com os ex-territórios soviéticos do Báltico, entraram de rompante na Aliança Atlântica. Em vez de uma polegada ou um centímetro, a OTAN cavalgou sem freios mais de milhar e meio de quilômetros, para as fronteiras da Rússia. Onde Boris Ieltsin, o ex-secretário da organização de Moscou do Partido Comunista da União Soviética, se tornara presidente da recém-declarada Federação Russa franqueando as portas para o saque neoliberal e sem limites das riquezas naturais e do aparelho produtivo e científico soviético, ao mesmo tempo que hipnotizava os cidadãos com as maravilhas da sociedade de consumo e dos mágicos poderes do mercado.

O que George HW Bush dissera a Kohl, naquela noite de 24 de Fevereiro de 1990, é que o império pretende, então como hoje, ter o poder sobre toda a Europa até à Rússia e conquistar este país, desmantelando-o, garantindo o acesso irrestrito às suas imensas riquezas. Isto é, retomar a saga sangrenta de Hitler e alcançar o que este não conseguiu, objectivo para que a guerra fria fosse insuficiente.

Mais de 50 dias depois de o presidente norte-americano ter deixado claro ao chanceler alemão que as garantias dadas a Moscou eram falsas, o engodo lançado a Gorbatchev ainda continuava apresentado no discurso oficial. Manfred Woerner, o alemão que então exerceu o cargo de secretário-geral da OTAN, como sempre um simples funcionário da Casa Branca, do Departamento de Estado e do Pentágono, pronunciou em Bruxelas, em 19 de Maio de 1990, um discurso que sabia ser fraudulento: “o simples fato de estarmos desejando não enviar tropas da OTAN para além do território da República Federal (da Alemanha) dá à União Soviética garantias firmes de segurança.” Na mesma alocução, Woerner recorreu ao mantra absurdo segundo o qual “a nossa estratégia e a nossa Aliança são exclusivamente defensivas”. Sabemos muito bem o que isso quer dizer.

São assim sucessivos os casos comprovativos de que o discurso e os comportamentos dos dirigentes do chamado “Ocidente alargado” se revelam, por regra, contraditórios e traduzem uma estratégia contumaz de mentira. Enfim, gente não respeitável para quem as pessoas são meros instrumentos para manter sob controle férreo, se possível, mas não necessariamente, sob aparência benigna dita democrática.

Gente falsa, desprezível e perigosa

Definido o sentido da nova ordem na frase ditatorial de George HW Bush na noite de 24 de Fevereiro de 1990, as estruturas foram a serem construídas, funcionando como o enquadramento das “regras” que iriam suprimir, como suprimiram, o direito internacional do cenário geoestratégico de decisão. Publicamente, Bush não residiu na totalidade o objectivo traçado na reunião que teve com Kohl: limitou-se a proclamar no seu discurso de 1992 sobre o Estado da União que “pela graça de Deus, a América venceu a guerra fria”.

Ainda em 1992, o secretário de Estado adjunto para os Assuntos Políticos dos Estados Unidos, Paul Wolfowitz, publicou o Guia de Planeamento da Defesa para os anos de 1994-1999, que deveria ter ficado secreto mas foi divulgado pouco depois pelo “New York Times ”. Conhecido como “doutrina Wolfowitz”, o documento estipula que “o nosso primeiro objectivo é evitar o ressurgimento de um novo rival quer no território da antiga União Soviética, quer noutro local”. acrescentamos, “dissuadir ou derrotar os ataques de qualquer origem”; “temos de manter os mecanismos para dissuadir os concorrentes de aspirarem mesmo a um papel regional ou global mais vasto”. Em suma, disse Wolfowitz, “a ordem mundial é, na última análise, reforçada pelos Estados Unidos e será um importante factor de estabilidade”, porque “não podemos permitir que os nossos interesses críticos dependam exclusivamente de mecanismos internacionais que podem ser bloqueados por países Esses interesses podem ser muito diferentes dos nossos”. A actualidade desta revisão da “ordem internacional baseada em regras” é flagrante e, funcionando na altura também como um recado firme à União Europeia, ajuda a perceber o papel secundário e de submissão reservado a esta entidade e que hoje se concretiza de maneira humilhante.

No cenário programático surgiu entretanto o “Projeto para o Novo Século Americano”, elaborado pela dupla democrática e republicana formada por William Kristol e Robert Kagan para promover “a liderança mundial dos Estados Unidos”. Dessa base teórica surgiram os conceitos segundo os quais os Estados Unidos são “a única nação necessária” e “a nação excepcional” (o “excepcionalismo”). Trata-se, segundo os autores, de obrigação “a política reaganiana de poder militar e de transparência moral” – o domínio “de espectro total” da associação fascizante entre a selvajaria neoliberal e as políticas sociais retrógradas, o neoconservadorismo. O princípio deste catecismo é o de que “a liderança americana é, ao mesmo tempo, boa para a América e para o mundo”. O caminho do globalismo, como estipulado o império principalmente através do Fórum Económico Mundial (Davos).

Robert Kagan, um dos principais expoentes neoconservadores, é esposo de Victoria Nuland, secretária demissionária de Estado adjunta de Obama e Biden e golpista operacional da ascensão do nazi-banderismo ao poder em Kiev, em 2014, através da chamada “revolução de Maidan” . Esta mudança de regime definida em Washington foi apresentada como um projecto de “democratização do país” e esteve na origem da guerra e do martírio do povo ucraniano, que hoje continua.

A influência da família Kagan-Nuland não fica por aqui porque Kimberly Kagan, cunhada de Victoria Nuland, fundou e provavelmente, a partir de 2007, o Instituto dos Estudos de Guerra, agora um dos think-tanks mais influentes na propaganda da guerra na Ucrânia, sobretudo através da manipulação da comunicação social corporativa. Ainda em 2007, a própria imprensa norte-americana batizou o casal Kagan como os “warongers” (fanáticos da guerra, em tradução livre) pela sua insistência no “reforço” da presença militar dos Estados Unidos e outros países da OTAN no Iraque.

O peso dos neoconservadores nas administrações norte-americanas desde os anos oitenta, principalmente nas democratas porque foi menos evidente com Donald Trump, pode avaliar-se pela questão ucraniana e a aposta total na guerra.

A Ucrânia foi identificada, desde a extinção da URSS, como o pilar essencial da ordem internacional baseada em regras e consequente cerco intimidatório da – Rússia tornado estratégico à luz da doutrina Wolfowitz. Zbigniew Brzezinski, conselheiro de vários presidentes norte-americanos e autor do “Grande Jogo de Xadrez”, obra de referência considerada indispensável para conhecer o lado imperial da geoestratégia das últimas décadas, estipulou que “quem dominar a Ucrânia domina a Eurásia”. E quem domina a Eurásia domina o mundo, pode deduzir-se.

Na Ucrânia reside assim o problema da sobrevivência da ordem internacional baseada em regras na qual assenta actualmente o poder imperial. A doutrina Wolfowitz foi ultrapassada, entretanto, pela ascensão consolidada da Rússia, da China e das organizações internacionais mobilizadas em torno da “aliança estratégica” necessária entre estas duas potências; o “novo século americano” está sendo posto seriamente em causa pela nova situação gerada pela convergência de interesses, pontuais ou mais alargados – sobretudo a soberania nacional – entre países da Ásia, África e América Latina reunindo cerca de 85% da população mundial . Os quais começam a perceber que podem escapar ao destino fatal da submissão a uma única potência.

Resta ao imperialismo “excepcionalista”, conduzindo um reboque às taras coloniais que persistem nos cérebros distorcidos da maior parte dos dirigentes ocidentais, insistindo no caminho trágico e afunilado da guerra da Ucrânia para desmantelar e conquistar a Rússia (ou o que ela restaria), conforme foi sentenciado em 24 de Fevereiro de 1990 como objectivo da continuação da guerra fria, transformada em conflito armado. Daí as interrogações que permaneceram enquanto os países ocidentais continuam associados ao desabamento fragoroso da Ucrânia.

Pelo caminho deste conflito acabaram os Acordos de Minsk de 2015 e até o acordo de Istambul, já em Março de 2022, que poderiam ter abertas oportunidades de interrupção da guerra e as negociações de paz. O seu fracasso, provocado pelos dirigentes atlantistas, prova que, segundo Washington e os seus cobardes vassalos da OTAN, apenas a conquista e o desmantelamento da Rússia podem ser os resultados aceitáveis ​​desta guerra.

Como se sabe através de confissões da ex-chanceler alemã Angela Merkel, do ex-presidente francês François Hollande e dos anteriores e atuais presidentes nazistas-banderistas da Ucrânia, Porochenko e Zelensky, os Acordos de Minsk foram assinados pelo Ocidente para serem violados, como expediente com o objectivo de ganhar tempo e equipar militarmente a Ucrânia de maneira a poder confrontar-se com a Rússia e ganhar; e o acordo de Istambul foi utilizado por uma expedição colonial a Kiev do ex-primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, certamente um rogo de Washington.

Merkel disse ter em Helmut Kohl a sua referência; Hollande representava a herança política de François Mitterrand, que aliás era líquida; Porochenko e Zelensky são apenas idiotas úteis para “garantir a liderança mundial dos Estados Unidos”, replicando o papel de subditos fortalecendo os dirigentes dos países da OTAN.

Num desenvolvimento seguindo uma lógica irrepreensível, os vergonhosos episódios relacionados com os acordos de Minsk e Istambul são réplicas metronômicas dos argumentos inventados para desencadear as guerras imperiais do Iraque, do Afeganistão, as chacinas na Líbia, na Síria, no Iémen, as intermináveis ​​mentiras a propósito das questões palestinianas e do Saara Ocidental; em suma, mais do mesmo no seguimento da falsidade das promessas sobre a imobilização territorial da OTAN feita a Gorbatchev em troca, entre outras coisas, do desmantelamento da União Soviética. Sempre o mesmo registo mafioso, só os nomes dos dirigentes se alteram e se sucedem neste processo explorador e mistificador de governo através da burla institucionalizada do qual são vítimas de milhões de cidadãos ainda condenados de que os seus votos contam para alguma coisa.

São muitas as provas, ao alcance da vista de quem quer ou saber avaliar, demonstrando que somos governados por pessoas desprezíveis que transformaram a política numa teia de mentiras, viciou a democracia, joga com as vidas das pessoas como se nada valessem e, quando os “interesses” desativados, não hesite em cultivar guerras criminosas; Portanto, gente que exala polimento mas desumano, sem limites, muito perigoso. Ou, como diria o tornado “intelectual” Robert Kagan, padrinho ideológico desta seita, trata-se de obrigações “a política reaganiana de poder militar e de transparência moral”.

Não se trata de uma avaliação comparativa com outros dirigentes ou situações em outras partes do mundo. Não é isso que está em causa. Ela é o resultado da observação e da leitura de provas fornecidas, ao longo de décadas, pelos dirigentes do chamado “mundo ocidental”, aqueles que nos governam, que se consideram exemplares, impolutos, civilizados, sempre do lado certo da história. Uma história que, pelos exemplos arrolados, pode chegar a ser escabrosa.

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